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| ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Ter Out 13, 2009 11:17 pm | |
| Amigo
Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece. Um coração pronto a pulsar Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado. É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, Amigo vai ser, é já uma grande festa!
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qua Out 14, 2009 11:47 pm | |
| Cão
Cão passageiro, cão estrito Cão rasteiro cor de luva amarela, Apara lápis, fraldiqueiro, Cão liquefeito, cão estafado Cão de gravata pendente, Cão de orelhas engomadas, de remexido rabo ausente, Cão ululante, cão coruscante, Cão magro, tétrico, maldito, a desfazer-se num ganido, a refazer-se num latido, cão disparado: cão aqui, cão ali, e sempre cão. Cão marrado, preso a um fio de cheiro, cão a esburgar o osso essencial do dia a dia, cão estouvado de alegria, cão formal de poesia, cão-soneto de ão-ão bem martelado, cão moido de pancada e condoído do dono, cão: esfera do sono, cão de pura invenção, cão pré fabricado, cão espelho, cão cinzeiro, cão botija, cão de olhos que afligem, cão problema... Sai depressa, ó cão, deste poema!
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Out 18, 2009 1:08 pm | |
| Inventário
Um dente douro a rir dos panfletos Um marido afinal ignorante Dois corvos mesmo muito pretos Um polícia que diz que garante A costureira muito desgraçada Uma máquina infernal de fazer fumo Um professor que não sabe quase nada Um colossalmente bom aluno Um revolver já desiludido Uma criança doida de alegria Um imenso tempo perdido Um adepto da simetria Um conde que cora ao ser condecorado Um homem que ri de tristeza Um amante perdido encontrado Um gafanhoto chamado surpresa O desertor cantando no coreto Um malandrão que vem pe-ante-pé Um senhor vestidíssimo de preto Um organista que perde a fé Um sujeito enganando os amorosos Um cachimbo cantando a marselhesa Dois detidos de fato perigosos Um instantinho de beleza Um octogenário divertido Um menino colecionando estampas Um congressista que diz Eu não prossigo Uma velha que morre a páginas tantas
Alexandre O'Neill - No Reino Da Dinamarca (1958) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Ter Out 20, 2009 8:51 pm | |
| Fala
Fala a sério e fala no gozo Fá-la pla calada e fala claro Fala deveras saboroso Fala barato e fala caro Fala ao ouvido fala ao coração Falinhas mansas ou palavrão Fala à miúda mas fá-la bem Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe Fala francês fala béu-béu Fala fininho e fala grosso Desentulha a garganta levanta o percoço Fala como se falar fosse andar
Fala com elegância - muito e devagar.
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qui Out 22, 2009 10:34 pm | |
| Auto-retrato
ONeill (Alexandre), moreno português, cabelo asa de corvo; da angústia da cara, nariguete que sobrepuja de través a ferida desdenhosa e não cicatrizada. Se a visagem de tal sujeito é o que vês (omita-se o olho triste e a testa iluminada) o retrato moral também tem os seus quês (aqui, uma pequena frase censurada...) No amor? No amor crê (ou não fosse ele ONeill!) e tem a veleidade de o saber fazer (pois amor não há feito) das maneiras mil que são a semovente estátua do prazer. Mas sobre a ternura, bebe de mais e ri-se do que neste soneto sobre si mesmo disse...
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Out 24, 2009 8:58 pm | |
| Portugal
Ó Portugal, se fosses só três sílabas, linda vista para o mar, Minho verde, Algarve de cal, jerico rapando o espinhaço da terra, surdo e miudinho, moinho a braços com um vento testarudo, mas embolado e, afinal, amigo, se fosses só o sal, o sol, o sul, o ladino pardal, o manso boi coloquial, a rechinante sardinha, a desancada varina, o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos, a muda queixa amendoada duns olhos pestanítidos, se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos, o ferrugento cão asmático das praias, o grilo engaiolado, a grila no lábio, o calendário na parede, o emblema na lapela, ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos, rendeiras de Viana, toureiros da Golegã, não há papo-de-anjo que seja o meu derriço, galo que cante a cores na minha prateleira, alvura arrendada para ó meu devaneio, bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, golpe até ao osso, fome sem entretém, perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, rocim engraxado, feira cabisbaixa, meu remorso, meu remorso de todos nós...
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Out 25, 2009 9:43 pm | |
| A história da moral
Você tem-me cavalgado seu safado! Você tem-me cavalgado, mas nem por isso me pôs a pensar como você.
Que uma coisa pensa o cavalo; outra quem está a montá-lo.
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Ter Out 27, 2009 10:52 pm | |
| Hah!
Há a mulher que me ama e eu não amo. Há as mulheres que me acamam e eu acamo. Há a mulher que eu amo e não me ama nem acama.
Ah essa mulher!
Tu eras mais feliz, Apollinaire. montado num obus, voavas à mulher. Tu foste mais feliz, meu artilheiro. tiveste amor e guerra.
Eu andei pra marinheiro, mas pus óculos e fiquei em terra.
Upa garupa na mulher que me acama, que a outra é contigo,coração que bem queres sofrer pelas mulheres...
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qui Out 29, 2009 9:45 pm | |
| O Rato e o Anjo
Há um rato para cada português
Dos jornais
Anjo guardum pra cada um
Da província
Um rato e um anjo de guarda para cada.
Anjo defende o acto mau, a fazer ou a sofrer.
Rato celebra contrato? Qual!
Rato rói, até na orelha. Anjo dói de outra maneira.
Mas eis que,nestes enredos, há dois a mais,um a menos.
Cai ao anjo a pena, ao rato o pelame. Um regressa ao seu enxame, o outro à sua caverna.
E o português,desanjado, já se vê desratizado. Chora.
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sex Out 30, 2009 10:35 pm | |
| A Bicicleta
O meu marido saiu de casa no dia 25 de Janeiro. Levava uma bicicleta a pedais, caixa de ferramenta de pedreiro, vestia calças azuis de zuarte, camisa verde, blusão cinzento, tipo militar, e calçava botas de borracha e tinha chapéu cinzento e levava na bicicleta um saco com uma manta e uma pele de ovelha, um fogão a petróleo e uma panela de esmalte azul. Como não tive mais notícias, espero o pior.
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qui Dez 23, 2010 8:41 pm | |
| Ao rosto vulgar dos dias
Monstros e homens lado a lado, Não à margem, mas na própria vida.
Absurdos monstros que circulam Quase honestamente.
Homens atormentados, divididos, fracos. Homens fortes, unidos, temperados.
Ao rosto vulgar dos dias, à vida cada vez mais corrente, As imagens regressam já experimentadas, Quotidianas, razoáveis, surpreendentes.
Imaginar, primeiro, é ver. Imaginar é conhecer, portanto agir.
(Alexandre O'Neill) | |
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA | |
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| | | | ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA | |
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