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| ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Ago 16, 2009 1:18 pm | |
| Poeta português, descendente de irlandeses e nascido em Lisboa. Autodidacta, fez os estudos liceais, frequentou a Escola Náutica (Curso de Pilotagem), trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian, e foi técnico de publicidade. Durante algum tempo, publicou uma crónica semanal no Diário de Lisboa.
Datam do ano de 1947 duas cartas de O'Neill que demonstram o seu interesse pelo surrealismo, dizendo numa delas (de Outubro) possuir já os Manifestos de Breton e a Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Nesse mesmo ano, O'Neill, Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com os seus Cadáveres Esquisitos e Diálogos Automáticos, que conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos. Por volta de 1948, fundou com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Pedro e Vespeira o Grupo Surrealista de Lisboa. Com a saída de Cesariny, em Agosto de 1948, o grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo Surrealista Dissidente (que integrou, além do próprio Cesariny, personalidades como António Maria Lisboa e Pedro Oom).
Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do movimento surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa (em Janeiro), onde expuseram Alexandre O'Neill, António DaCosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Vespeira. Nessa ocasião, Alexandre O'Neill publicou A Ampola Miraculosa, constituída por 15 imagens sem qualquer ligação e respectivas legendas, sem que entre imagem e legenda se estabelecesse um nexo lógico, o que torna altamente irónico o subtítulo da obra, «romance». Esta obra poderá ser considerada paradigmática do surrealismo português. Foram lançados, ainda nesse ano, os primeiros números dos Cadernos Surrealistas.
Em Maio do mesmo ano, foi a vez de o Grupo Surrealista Dissidente organizar uma série de conferências com o título geral «O Surrealismo e o Seu Público», em que António Maria Lisboa leu o que se pode considerar o primeiro manifesto surrealista português. Houve ainda mais duas exposições levadas a cabo por este grupo (em Junho de 1949 e no ano seguinte, no mesmo mês), sem grande repercussão junto do público.
Depois de uma fase de ataques pessoais entre os dois grupos (1950-52), que atingiram sobretudo José-Augusto França, e após a morte de António Maria Lisboa, extinguiram-se os grupos surrealistas, continuando todavia o surrealismo a manifestar-se na produção individual de alguns autores, incluindo o próprio Alexandre O'Neill, que se demarcara, já em 1951, no Pequeno Aviso do Autor ao Leitor, inserido em Tempo de Fantasmas. Nessa mesma obra, sobretudo na primeira parte, Exercícios de Estilo (1947-49), a influência do surrealismo manifesta-se em poemas como Diálogos Falhados, Inventário ou A Central das Frases e na insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas, como a bicicleta e a máquina de costura. Na segunda parte da obra, Poemas (1950-51), essa influência, embora ainda presente, é atenuada, como acontecerá em No Reino da Dinamarca (1958) e Abandono Vigiado (1960). A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda (surrealismo e experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no carácter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, por exemplo). Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neo-realismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor. Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se «O Poema Pouco Original do Medo», com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país — «meu remorso, meu remorso de todos nós». Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou de neologismos inventados pelo autor.
Alexandre O'Neill escreveu Tempo de Fantasmas (1951), No Reino da Dinamarca (1958), Abandono Vigiado (1960), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), De Ombro na Ombreira (1969), Entre a Cortina e a Vidraça (1972), A Saca de Orelhas (1979), As Horas Já de Números Vestidas (1981), Dezanove Poemas (1983) e O Princípio da Utopia (1986). A sua obra poética foi ainda recolhida em Poesias Completas, 1951-1983 (1984). Foi ainda editada uma antologia, postumamente, com o título Tomai Lá do O'Neill (1986). Publicou dois livros em prosa narrativa, As Andorinhas não Têm Restaurante (1970) e Uma Coisa em Forma de Assim (1980, volume de crónicas), e as Antologias Poéticas de Gomes Leal e de Teixeira de Pascoaes (em colaboração com F. Cunha Leão), de Carl Sandburg e João Cabral de Melo Neto. Gravou o disco «Alexandre O'Neill Diz Poemas de Sua Autoria». Em 1966, foi traduzido e publicado na Itália, pela editora Einaudi, um volume da sua poesia, Portogallo Mio Rimorso. Recebeu, em 1982, o Prémio da Associação de Críticos Literários. | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Ago 16, 2009 1:25 pm | |
| FALA
Fala a sério, fala no gozo Fá-la pela calada e fala claro, Fala deveras saboroso Fala barato e fala claro, Fala ao ouvido e fala ao coração falinhas mansas ou palavrão. Fala à miúda, mas fala bem. Fala ao teu Pai mas ouve tua Mãe.
Fala françês, fala béubéu, fala fininho e fala grosso. Desentulha a garganta, levanta o pescoço.
Fala como se falar fosse andar, fala com elegância, muito, e, devagar!
(Alexandre O´neill)
Última edição por Anarca em Dom Ago 16, 2009 8:01 pm, editado 1 vez(es) | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Ago 16, 2009 8:01 pm | |
| HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM
Há palavras que nos beijam Como se tivessem boca. Palavras de amor, de esperança, De imenso amor, de esperança louca. Palavras nuas que beijas Quando a noite perde o rosto; Palavras que se recusam Aos muros do teu desgosto. De repente coloridas Entre palavras sem cor, Esperadas inesperadas Como a poesia ou o amor. (O nome de quem se ama Letra a letra revelado No mármore distraído No papel abandonado) Palavras que nos transportam Aonde a noite é mais forte, Ao silêncio dos amantes Abraçados contra a morte.
(Alexandre O´neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qua Ago 19, 2009 9:04 pm | |
| Um adeus português
Nos teus olhos altamente perigosos vigora agora o mais rigoroso amor a luz de ombros puros e a sombra de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo à roda em que apodreço apodrecemos a esta pata ensanguentada que vacila quase medita Ee avança mugindo pelo túnel de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira onde passo o dia burocrático o dia a dia da miséria que sobe aos olhos vem às mãos aos sorrisos ao amor mal soletrado à estupidez ao desespero sem boca ao medo perfilado à alegria sonâmbula à vírgula maníaca do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo em trânsito mortal até ao dia sórdido canino policial até ao dia que não vem da promessa puríssima da madrugada mas da miséria de uma noite gerada por um dia igual
Não podias ficar presa comigo à pequena dor que cada um de nós traz docemente pela mão a esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces esta roda de náusea em que giramos até à idiotia esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira da cidade onde o amor encontra as suas ruas e o cemitério ardente da sua morte tu és da cidade onde vives por um fio de puro acaso onde mores ou vives não de asfixia mas às mãos de uma aventura de um comércio puro sem a moeda falsa do bem e do mal.
Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser que já é o teu desaparecimento digo te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti.
(Alexandre O´neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Ago 23, 2009 8:55 pm | |
| SIGAMOS O CHERNE (Depois de ver o filme “O Mundo do Silêncio”, de Jacques-Yves Cousteau) Sigamos o cherne, minha Amiga! Desçamos ao fundo do desejo Atrás de muito mais que a fantasia E aceitemos, até, do cherne um beijo, Senão já com amor, com alegria..." Em cada um de nós circula o cherne, Quase sempre mentido e olvidado. Em água silenciosa do passado Circula o cherne: traído Peixe recalcado… Sigamos, pois, o cherne, antes que venha, Já morto, boiar ao lume de água, Nos olhos rasos de água, Quando, mentido o cherne a vida inteira, Não somos mais que solidão e mágoa… (Alexandre O´neill - No Reino da Dinamarca, 1958) | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Ago 23, 2009 8:58 pm | |
| Não Deixes Que Metam o Nariz na Tua Vida
Quando falas ou simulas falar de ti próprio e amalgamas passado, presente, futuro, há sempre os que perguntam se o que contaste é verdade ou não. Nunca indagam se vai ser verdade. O que lhes interessa é saber, com a curiosidade dos intriguistas, se o que se passou (ou parece ter-se passado) se passou mesmo contigo. É um erro de gente vulgar. Parasitários ou não, qualquer invenção ou patranha, qualquer «mentir verdadeiro» é acepipe biográfico, é pretexto para te enfileirarem na nulidade biográfica que é a deles próprios e tecerem incansavelmente histórias a teu respeito. Não te deixes seduzir pelo gosto da conversa. Essa pequena gente não merece a mais pequena atenção, nem tu precisas de espectadores para o salutar exercício diário de falar por falar. (...) Não deixes que metam o nariz na tua vida. Caso contrário, vais ficar cheio de gente, com a sua vida escassamente interessante. O tombo da vida vulgar já foi feito por escritores como Camilo. E tenho a impressão de que, no essencial, a vida vulgar continua a mesma. Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras. É outro exercício salutar.
Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim" | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Seg Ago 24, 2009 10:23 pm | |
| Poema pouco original do medo
O medo vai ter tudo pernas ambulâncias e o luxo blindado de alguns automóveis Vai ter olhos onde ninguém os veja mãozinhas cautelosas enredos quase inocentes ouvidos não só nas paredes mas também no chão no tecto no murmúrio dos esgotos e talvez até (cautela!) ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo fantasmas na ópera sessões contínuas de espiritismo milagres cortejos frases corajosas meninas exemplares seguras casas de penhor maliciosas casas de passe conferências várias congressos muitos óptimos empregos poemas originais e poemas como este projectos altamente porcos heróis (o medo vai ter heróis!) costureiras reais e irreais operários (assim assim) escriturários (muitos) intelectuais (o que se sabe) a tua voz talvez talvez a minha com certeza a deles
Vai ter capitais países suspeitas como toda a gente muitíssimos amigos beijos namorados esverdeados amantes silenciosos ardentes e angustiados
Ah o medo vai ter tudo tudo (Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer)
O medo vai ter tudo quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos sim a ratos
(Alexandre O´neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qua Ago 26, 2009 11:41 pm | |
| Idiotia e Felicidade
Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz, pergunta-me um leitor? Pois explico já. A idiotia e a felicidade são ideias muito vagas, difíceis de cingir em conceitos de circulação universal, digamos. Mas, pensando melhor, acho que certa idiotia é susceptível de conferir ao idiota ser proprietário (ou seu prisioneiro) uma espécie de segurança em si próprio que o levará, em determinados momentos, julgo eu, a uma beatitude muito próxima do que se pode chamar estado de felicidade.Assim sendo, não vejo incompatibilidade entre o ser-se idiota e o ser-se feliz. Bem sei que há várias maneiras de se chegar a idiota. Uma delas foi experimentada comigo. Uma parente minha queria por força reconverter-me ao Catolicismo e, deste modo, passava a vida a dizer-me: «Alexandre, não penses. Se começas a pensar estragas tudo. A crença em Deus, se, em vez de pensares, reaprenderes a rezar, vem por si. É uma graça, sabias? Vá, reza comigo.» E ensinava-me orações que eu, muitas vezes de mãos postas, repetia aplicadamente. Acabei por não me casar com ela.
Não quero dizer, com isto, que não acredite na chamada (creio eu) revelação. Se revelação não existisse, como poderia um poeta do tomo de Paul Claudel entrar um dia em Notre-Dame e sentir-se, naquele preciso momento, convertido irresistivelmente ao Cristo e à irradiação da sua verdade e da sua beleza? E não pode afirmar-se que o grande poeta fosse um idiota.
Agora a minha parente era-o, de certeza, e queria fazer de mim outro idiota. Não por desejar reconverter-me, mas por aconselhar-me, como meio, o de eu não pensar, o de eu principalmente não pensar. Se tivesse casado com ela (que não era filha da minha lavadeira) talvez tivesse sido feliz - não se sabe - idiota e feliz. Assim, fiquei longos anos idiota e infeliz, infeliz por ser idiota e saber que o era e que não podia deixar de o ser. Ora, um idiota que é infeliz por saber que é idiota já pode estar a caminho de deixar de o ser. É uma possibilidade. É a tal luz no fundo do túnel, como se disse tantas vezes a propósito da situação económica deste idiota de país.
Não se espante, por conseguinte, o leitor de que um qualquer idiota possa, ao mesmo tempo, ser feliz. É, até, assaz corrente. Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza alguma felicidade, aquela maneira de felicidade que consiste em uma pessoa se julgar muito superior às que a rodeiam. O leitor gostaria de ser ministro ou secretário de Estado? Pois fique sabendo que há quem goste, embora - será justo dizê-lo - também há quem o seja a contra-gosto, por dever partidário ou patriótico.
Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima como poder, é, quase sempre, um perigo. Oremos. Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.
Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim" | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Ago 29, 2009 8:28 pm | |
| Aos Vindouros, se os Houver...
Vós, que trabalhais só duas horas a ver trabalhar a cibernética, que não deixais o átomo a desoras na gandaia, pois tendes uma ética;
que do amor sabeis o ponto e a vírgula e vos engalfinhais livres de medo, sem peçários, calendários, Pílula, jaculatórias fora, tarde ou cedo;
computai, computai a nossa falha sem perfurar demais vossa memória, que nós fomos pràqui uma gentalha a fazer passamanes com a história;
que nós fomos (fatal necessidade!) quadrúmanos da vossa humanidade.
Alexandre O'Neill, in 'Poemas com Endereço' | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Seg Ago 31, 2009 5:29 pm | |
| Besta Célere (Best-seller)
Há quem lhe chame, por brincadeira, besta célere para caracterizar a qualidade mediana (tomada por média) desse produto cultural (agora é tudo cultural!) e, ao mesmo tempo, a rapidez com que ele se esgota em sucessivas edições. O best-seller é um produto perfeita (ou eficazmente) projectado em termos de «marketing» editorial e livreiro. É para se vender - muito e depressa - que o best-seller é construído com os olhos postos num leitor-tipo que vai encontrar nele aquilo que exactamente esperava. Nem mais, nem menos. Os exemplos, abundantíssimos, nem vale a pena enumerá-los. Convém não confundir, pelo menos em todos os casos, best-seller com «topes» de venda. Embora seja cabeça de lista, o best-seller tem, em relação aos livros «normais», uma característica que logo o diferencia: foi feito propositadamente para ser um campeão de vendas. A sua razão de ser é essa e só essa. E aqui poderia dizer-se, recuperando o lugar-comum para um sentido sério, que «o resto é literatura».
Estou a pensar em bestas céleres como Love Story ou O Aeroporto. Não estou a pensar em «topes» de venda como O Nome da Rosa ou Memórias de Adriano. estes últimos são boa, excelente literatura que, por razões pontuais e, muitas vezes extrínsecas à sua própria leitura, conheceram grandes êxitos de venda, o que é bastante diferente. Enquanto o best-seller é esquemático, quer dizer, não comporta mais do que o necessário, em termos de ingredientes, para comover (ou motivar, como é costume dizer-se) os simplórios, o livro «normal» nem pensa nisso. Nascido de uma necessidade interior, o livro «normal» chega ao leitor de dentro para fora. O best-seller é exactamente construído ao contrário: chega de fora para dentro ou, até de fora para fora, visto que a sua penetração no leitor não é nenhuma, ao passo que a sua propagação é imensa.
Habitualmente, o best-seller, ao fim de alguns anos, está esquecido ou, então, foi posto em cinema ou em TV e será, durante uns tempos, ainda lembrado, quase nunca em termos de literatura, que não é, mas apenas de história. O cinema ou a TV não podiam senão tornar ainda mais liso o que liso e correntio era.
Editores com o sentido da oportunidade aproveitam, então, para lançar ou desenterrar tiragens. que às vezes se vendem, outras não, mas sempre com a inevitável cinta: Um grande sucesso agora no cinema (ou na TV). Alimentam, deste modo, curiosidades menores do público: saber com antecipação o que vai acontecer (caso das séries televisivas, aliás «adiantadas» na Imprensa diária e semanal) ou ver até que ponto o cinema respeitou ou não respeitou a história original.
O best-seller é feito a pensar num leitor «espremido» por computador e serve a esse leitor tanto quanto lhe pode servir qualquer objecto de conforto. É um típico produto da chamada indústria cultural. Toma, exteriormente, a forma de livro para melhor se confundir com os verdadeiros livros. É uma espécie de ornamento (do espírito, da estante ou do caixote do lixo...) e cumpre, quase sempre, o seu papel, virada a última folha. O best-seller pode ser preparado com muita habilidade e, para os desprevenidos, constituir, até, uma obra de qualidade. A propaganda fará o resto. Mas isso será só ilusão. O best-seller tem a qualidade apenas necessária para não comprometer a quantidade que alcançou ou deseja alcançar. Esse é o seu verdadeiro objectivo: quantidade e mais quantidade.
Hoje, que a literatura integra áreas cada vez mais vastas, uma há que não poderá integrar, a do best-seller, sob pena de se trasnformar no contrário de si mesma: o fabrico e o consumo de um produto que por acaso se chama livro.
Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim" | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Ter Set 01, 2009 9:17 pm | |
| E de Novo, Lisboa...
E de novo, Lisboa, te remancho, numa deriva de quem tudo olha de viés: esvaído, o boi no gancho, ou o outro vermelho que te molha.
Sangue na serradura ou na calçada, que mais faz se é de homem ou de boi? O sangue é sempre uma papoila errada, cerceado do coração que foi.
Groselha, na esplanada, bebe a velha, e um cartaz, da parede, nos convida a dar o sangue. Franzo a sobrancelha: dizem que o sangue é vida; mas que vida?
Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui, na terra onde nasceste e eu nasci?
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Set 05, 2009 10:23 am | |
| Desaprender
Há uma altura em que, depois de se saber tudo, tem de se desaprender. Sucede assim com o escrever. Com o escrever do escritor, entenda-se. Eu, provavelmente poeta, estou a aprender a... desaprender. E para quê e como se desaprende? Para deixar de ronronar, para que o leitor, quando o nosso produto lhe chega às mãos, não exclame, satisfeito ou enfastiado: «- Cá está ele!». Na verdura dos seus anos, a preocupação do escritor parece ser a da originalidade. Ser-se original é mostrar-se que se é diferente. E as pessoas gostam das primeiras piruetas que um sujeito dá. E o sujeito gosta de que as pessoas vejam nele um talento. Atenção, vêm aí as receitas, as ideias feitas, os passes de mão, os clichés, os lugares selectos ou, mais comezinhamente, os lugares comuns. O escritor está instalado. Revê-se na sua obra. Começa a abalançar-se a voos mais altos, a mergulhos mais fundos. É a intelectualidade que o chama ao seu seio, o público que o põe, vertical, nas suas prateleiras. Arrumado.
Quase sem dar por isso, o escritor acomodou-se e tornou-se cómodo, quando propendia, nos seus verdes anos, a incomodar-se e a tornar-se incómodo. Organiza «dossiers» com os recortes das críticas que lhe fizeram ao longo da sua carreira (nome, já de si, chamuscante), vai a colóquios, celebrações, congressos. Ganha prémios. É traduzido e publicado no estrangeiro. Por desfastio (e por que não?, algum dinheiro) aceita colaborar em conspícuas revistas ou em jornais efémeros como o dia a dia em que vão sendo publicados. Está de tal modo visível que já ninguém dá por ele. É o escritor. Se as coisas continuarem indefinidamente assim, o escritor pode ser alcandorado a gloríola nacional, com todos os direitos inerentes a uma situação dessas: academia, nome de rua, estatueta ou estátua, tudo isso em devido tempo, quer dizer, já velho ou já morto o escritor. Pedra campal sobre o assunto.
Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Set 06, 2009 9:33 pm | |
| Bom e Expressivo
Acaba mal o teu verso, mas fá-lo com um desígnio: é um mal que não é mal, é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que tão bem desfecham e que são o pão de ló dos tolos e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia se fizesse à eloquência, e se houver um vossa excelência que grite: - Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é, que é topada, lixa três, serração, vidro moído, papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra... Mas também da rima «em cheio» poderás tirar partido, que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um, com sua rima, seu ritmo, não fazer bom e bonito, mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira' | |
| | | Anarca
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Ter Set 08, 2009 10:30 am | |
| Os Convencidos da Vida
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.
Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qua Set 09, 2009 8:34 pm | |
| O Amor é o Amor
O amor é o amor - e depois?! Vamos ficar os dois a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito, cortando o mar, cortando o ar. Num leito há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos sem destino, sem medo, sem pudor e trocamos - somos um? somos dois? espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?
Alexandre O'Neill, in 'Abandono Vigiado' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qui Set 10, 2009 11:35 pm | |
| A Morte, esse Lugar-Comum
É trivial a morte e há muito se sabe fazer - e muito a tempo! - o trivial. Se não fui eu quem veio no jornal, foi uma tosse a menos na cidade...
A caminho do verme, uma beldade - não dirias assim, Gomes Leal? - vai ser coberta pela mesma cal que tapa a mais intensa fealdade.
Um crocitar de corvo fica bem neste anúncio de morte para alguém que não vê n'alheia sorte a própria sorte...
Mas por que não dizer, com maior nojo, que um menino saiu do imenso bojo de sua mãe, para esperar a morte?...
Alexandre O'Neill, in 'Abandono Vigiado' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Set 12, 2009 12:17 am | |
| O Beijo
Congresso de gaivotas neste céu Como uma tampa azul cobrindo o Tejo. Querela de aves, pios, escarcéu. Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...) De algum quarto perdido no desejo? De algum jovem amor que recebeu Mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida, Vai batendo como a própria vida, Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas, De duas bocas que se juntam, loucas! De inveja as gaivotas a gritar...
Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Set 13, 2009 1:26 pm | |
| Os Amantes de Novembro
Ruas e ruas dos amantes Sem um quarto para o amor Amantes são sempre extravagantes E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados Dum tempo sem amor nenhum Coitados tão engalfinhados Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados Como uma estátua erguida num Jardim votado ao abandono De amor juncado e de outono.
Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Set 19, 2009 5:52 pm | |
| Mal nos conhecemos
Mal nos conhecemos Inauguramos a palavra amigo! Amigo é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo Uma casa, mesmo modesta, que se oferece. Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! Amigo (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) Amigo é o contrário de inimigo! Amigo é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado. É a verdade partilhada, praticada. Amigo é a solidão derrotada! Amigo é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, Amigo vai ser, é já uma grande festa!
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Seg Set 21, 2009 10:17 pm | |
| Sei os teus seios.
Sei os teus seios. Sei-os de cor.
Para a frente, para cima, Despontam, alegres, os teus seios.
Vitoriosos já, Mas não ainda triunfais.
Quem comparou os seios que são teus (Banal imagem) a colinas!
Com donaire avançam os teus seios, Ó minha embarcação!
Porque não há Padarias que em vez de pão nos dêem seios Logo p'la manhã?
Quantas vezes Interrogaste, ao espelho, os seios?
Tão tolos os teus seios! Toda a noite Com inveja um do outro, toda a santa Noite!
Quantos seios ficaram por amar?
Seios pasmados, seios lorpas, seios Como barrigas de glutões!
Seios decrépitos e no entanto belos Como o que já viveu e fez viver!
Seios inacessíveis e tão altos Como um orgulho que há-de rebentar Em deseperadas, quarentonas lágrimas...
Seios fortes como os da Liberdade -Delacroix-guiando o Povo.
Seios que vão à escola p'ra de lá saírem Direitinhos p'ra casa...
Seios que deram o bom leite da vida A vorazes filhos alheios!
Diz-se rijo dum seio que, vencido, Acaba por vencer...
O amor excessivo dum poeta: "E hei-de mandar fazer um almanaque da pele encadernado do teu seio" (Gomes Leal)
Retirar-me para uns seios que me esperam Há tantos anos, fielmente, na província!
Arrulho de pequenos seios No peitoril de uma janela Aberta sobre a vida.
Botas, botirrafas Pisando tudo, até os seios Em que o amor se exalta e robustece!
Seios adivinhados, entrevistos, Jamais possuídos, sempre desejados!
"Oculta, pois, oculta esses objectos Altares onde fazem sacrifícios Quantos os vêem com olhos indiscretos" (Abade de Jazente)
Raimundo Lúlio, a mulher casada Que cortejaste, que perseguiste Até entrares, a cavalo, p'la igreja Onde fora rezar, Mudou-te a vida quando te mostrou ("É isto que amas?") De repente a podridão do seio.
Raparigas dos limões a oferecerem Fruta mais atrevida: inesperados seios...
Uma roda de velhos seios despeitados, Rabujando, A pretexto de chá...
Engolfo-me num seio até perder Memória de quem sou...
Quantos seios devorou a guerra, quantos, Depressa ou devagar, roubou à vida, À alegria, ao amor e às gulosas Bocas dos miúdos!
Pouso a cabeça no teu seio E nenhum desejo me estremece a carne.
Vejo os teus seios, absortos Sobre um pequeno ser
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Seg Set 28, 2009 9:29 pm | |
| Gaivota
Se uma gaivota viesse trazer-me o céu de Lisboa no desenho que fizesse, nesse céu onde o olhar é uma asa que não voa, esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração no meu peito bateria, meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro, dos sete mares andarilho, fosse quem sabe o primeiro a contar-me o que inventasse, se um olhar de novo brilho no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração no meu peito bateria, meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida as aves todas do céu, me dessem na despedida o teu olhar derradeiro, esse olhar que era só teu, amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração morreria no meu peito morreria, meu amor na tua mão, nessa mão onde perfeito bateu o meu coração.
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Qua Set 30, 2009 12:06 am | |
| O tempo sujo
Há dias que eu odeio Como insultos a que não posso responder Sem o perigo duma cruel intimidade Com a mão que lança o pus Que trabalha ao serviço da infecção
São dias que nunca deviam ter saído Do mau tempo fixo Que nos desafia da parede Dias que nos insultam que nos lançam As pedras do medo os vidros da mentira As pequenas moedas da humilhação
Dias ou janelas sobre o charco Que se espelha no céu Dias do dia-a-dia Comboios que trazem o sono a resmungara para o trabalho O sono centenário Mal vestido mal alimentado Para o trabalho A martelada na cabeça A pequena morte maliciosa Que na espiral das sirenes Se esconde e assobia
Dias que passei no esgoto dos sonhos Onde o sórdido dá as mãos ao sublime Onde vi o necessário onde aprendi Que só entre os homens e por eles Vale a pena sonhar.
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Out 10, 2009 12:14 am | |
| O revólver de trazer por casa
Querem fazer de mim o revólver de trazer por casa, Fizeram já de mim o revólver de trazer por casa, Aquele que toda a gente ,uma,duas vezes na vida, Encosta por teatro a um ouvido Que acaba por se fechar envergonhado.
Um bom revólver domesticado: Algumas noções de pré-suicídio,mas não mais, Que a vida está muito cara e a aventura Nem sempre devolve o barco que lhe mandam.
Quem espera por mim não espera por mim E talvez me encontre por um acaso distraído. Mas no meu obsceno mostruário de gestos, Guardo o mais obsceno Para quando a ilusão se der...
(Alexandre O'Neill)
Última edição por Anarca em Sex Out 01, 2010 3:00 pm, editado 1 vez(es) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Sáb Out 10, 2009 11:37 pm | |
| Adeus Português
Nos teus olhos altamente perigosos vigora ainda o mais rigoroso amor a luz dos ombros pura e a sombra duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo à roda em que apodreço apodrecemos a esta pata ensanguentada que vacila quase medita e avança mugindo pelo túnel de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira onde passo o dia burocrático o dia-a-dia da miséria que sobe aos olhos vem às mãos aos sorrisos ao amor mal soletrado à estupidez ao desespero sem boca ao medo perfilado à alegria sonâmbula à vírgula maníaca do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo em trânsito mortal até ao dia sórdido canino policial até ao dia que não vem da promessa puríssima da madrugada mas da miséria de uma noite gerada por um dia igual
Não podias ficar presa comigo à pequena dor que cada um de nós traz docemente pela mão a esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces esta roda de náusea em que giramos até à idiotia esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira da cidade onde o amor encontra as suas ruas e o cemitério ardente da sua morte tu és da cidade onde vives por um fio de puro acaso onde morres ou vives não de asfixia mas às mãos de uma aventura de um comércio puro sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser que já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti
(Alexandre O'Neill) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA Dom Out 11, 2009 7:20 pm | |
| A força do hálito
A força do hálito é como o que tem que ser. E o que tem que ser tem muita força.
Vai (ou vem) um sujeito, abre a boca e eis que a gente, que no fundo é sempre a mesma, desmonta a tenda e vai halitar-se para outro lado, que no fundo é sempre o mesmo.
Sovacos pompeando vinagres e bafios, não são nada --bah...-- em comparação com certos hálitos que até parece que sobem do coração.
"Ai onde transpira agora o bom sovaco de outrora!"
Virilhas colaborando com parentesis ou cedilhas são autênticas (e sem hálito) maravirilhas. Quando muito alguns pingos nos refegos, nas braguilhas, amoniacal bafor que suporta sem dor aquele que está ao rés de tal teor.
Mas o mau hálito é pior que a palavra sobretudo se não for da tua lavra.
Da malvada, da cárie ou, meudeus, do infinito, o mau hálito é sempre, na narina, como o baudelaireano, desesperado grito da "charogne" que apodrecer não queria.
(Alexandre O'Neill) | |
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| Assunto: Re: ALEXANDRE O'NEILL - O POETA SURREALISTA | |
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