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| ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO | |
| | Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Sex Ago 20, 2010 6:09 pm | |
| António Duarte Gomes Leal (Lisboa, 6 de Junho de 1848 - 29 de Janeiro de 1921) foi um poeta e crítico literário português.
Vida e obra
Nasceu na praça do Rossio, freguesia da Pena, em Lisboa, filho natural de João António Gomes Leal (m. 1876), funcionário da Alfândega, e de Henriqueta Fernandina Monteiro Alves Cabral Leal.
Frequentou o Curso Superior de Letras, mas não o concluiu, empregando-se como escrevente de um notário de Lisboa.
Durante a sua juventude assumiu pose de poeta boémio, satânico e janota, mas com a morte da sua mãe, em 1910, caiu na pobreza e converteu-se ao Catolicismo. Vivia da caridade alheia, chegando a passar fome e a dormir ao relento, em bancos de jardim, como um vagabundo, tendo uma vez sido brutalmente agredido pela canalha da rua. No final da vida, Teixeira de Pascoaes e outros escritores lançaram um apelo público para que o Estado lhe atribuísse uma pensão, o que foi conseguido, apesar de diminuta.
Foi um dos fundadores do jornal "O Espectro de Juvenal" (1872) e do jornal "O Século" (1881), tendo colaborado também na Gazeta de Portugual, Revolução de Setembro e Diário de notícias. A sua obra insere-se nas correntes ultra-romântica, parnasiana, simbolista e decadentista. | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qua Ago 25, 2010 4:51 pm | |
| Tristissima
N'um paiz longe, secreto, Lendaria ilha affastada, Jaz todo o dia sentada N'um throno de marmor preto.
No seu palacio esculpido Não entram constellações; Os tectos dos seus sallões São todos d'ouro polido!
Nas largas escadarias Sobem vassallos ao cento, De noute suluça o vento N'aquellas tapeçarias.
E pelas largas janellas Fechadas, sempre corridas, Ha flores desconhecidas Que não olham as estrellas.
Na dextra segura um calix, - Calix da Dôr e da Magoa! Onde está contida a agoa E o sangue dos nossos males!
Pelas florestas sosinhas Escuras, sem rouxinoes, Erram chorando os Heroes, E as desgraçadas Rainhas.
Seguida, á noute, de servas, Caminha, em cortejo mudo, Rojando o negro velludo De seu cabello nas hervas.
Sómente ao vel-a passar Ficam as almas surprezas; - Ha todo um mar de tristezas No abismo do seu olhar!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Sex Ago 27, 2010 4:53 pm | |
| Os Brilhantes
Não ha mulher mais pallida e mais fria, E o seu olhar azul vago e sereno Faz como o effeito d'um luar ameno Na sua tez que é morbida e macia.
Como Levana ... esta mulher sombria Traz a Morte cruel ao seu aceno, O Suicidio e a Dôr!... Lembra do Rheno Um conto, á luz crepuscular do dia.
Por isso eu nunca invejo os seus amantes! - E em quanto hontem, gabavam seus brilhantes, No theatro, com vistas fascinadas...
Tortura das visões... incomprehensiveis! Em vez d'elles, cri ver brilhar - horriveis E verdadeiras lagrimas geladas!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Seg Ago 30, 2010 12:20 pm | |
| Idylio d'Aldeia
Não sei que ha que me impelle Para o teu escuro olhar!... É mais branca a tua pelle, Do que o linho de fiar!
É tua boca um botão, E o teu riso a lua nova; - Quem me dera ter na cova Os ais do teu coração!
Mal podes saber o gosto Que tive da vez primeira Que te avistei, ao sol posto, Debaixo d'esta amoreira!
Desde esse dia, andorinha! Desde essa tarde infeliz, Fiquei preso da covinha Que fazes quando te ris!
Não sei que ha que me impelle Para o teu escuro olhar!... É mais branca a tua pelle Do que o linho de fiar!
A minha alma não descança; - Morra o sol, ou surja a aurora, Só tu me lembras creança De cabellos côr d'amora!
A tua doce ignorancia Tão cheia de singelesas... Faz todas as almas presas Como as perguntas da infancia!
Tu és como um pomo d'ouro, E o vivo sol que me alegras; - Amo mais teu rir sonoro Do que a voz das toutinegras!...
Quando eu fôr a enterrar, N'algum dia, ao pôr do Sol, Quero levar por lençol Só a luz do teu olhar!
- Mas tu só vives cantando! - E ao vir da fonte com agoa, Mais sentes que estou penando, Mais te ris da minha magoa!
Ah! nunca eu tivesse o gosto Que tive da vez primeira Que te avistei, ao sol posto, Debaixo d'esta amoreira!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Seg Set 20, 2010 1:00 pm | |
| A Ultima Serenada do Diabo
No tempo em que elle, nas lendas, Era amante e cortezão, Jogava, e tinha contendas, Cantava assim em Milão:
Ó flores meigas, ó Bellas! Para prender os toucados, Eu dar-vos-hia as estrellas: - Os alfinetes dourados!
Só pelo amor quebro lanças! - A Rainha de Navarra Enleou um dia as tranças No braço d'esta guitarra!
Sou um heroe perseguido!... Mas inda ha luz nos meus rastros; A lança que me ha ferido Foi feita do ouro dos astros!
Mas um dia, ó bem amadas! Eu tornaria ás alturas... Subindo pelas escadas Das vossas tranças escuras!
O amor que em meu peito cabe Não conta diques, ó bellas! Só minha guitarra o sabe, E aquellas velhas estrellas!
Ó batalhas amorosas! - Era d'aventuras cheia! Ó brancas noutes saudosas Que eu andei pela Judea!
Ó flores apetecidas! Livros escriptos com beijos! Ó brancas aves fugidas Dos jardins dos meus desejos!
Não me deixeis no abandono Ó tristes olhos leaes! Como as pombas, no outomno, Que abandonam os pombaes!
Que fosse eu crucificado N'alguma bem alta Cruz!... - E vos tivesse a meu lado, Como vos teve Jezus!...
Esses olhos me consomem!... Mas, Mulher, da lucta ao cabo, Se perdeste o antigo Homem... - Tu matarás o Diabo!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Ter Set 21, 2010 12:40 pm | |
| O Doente Romantico
Eu sei que morrerei, discreta amante, Antes do inverno vir; mas, lentamente, Quero morrer á tua luz radiante, Como os tisicos á luz do sol poente!
Sou romantico assim! O tempo ardente Das chimeras vae longe! Vão, constante, Morrerei crendo em ti... e o azul distante Olhando como um sabio ou um doente!...
- Mas, eu não preso a tarde ensanguentada... Nem o rumor do Sol! - quero a calada Noute brumosa junto do Oceano...
E assim, sem ai nem dôr, entre a neblina, Morrer-me, como morre a balsamina, - E ouvindo, em sonho, os ais do teu piano.
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qui Set 23, 2010 4:44 pm | |
| A Jovem Miss
Ella é tão loura, lyrica, franzina, Tão mimosa, quieta, e virginal, Como uma bella virgem d'um missal Toda dourada, e preciosa e fina!
Não ha graça mais casta e femenina Do que a d'ella! Seu riso angelical Cria em nós todo um mundo de moral, Melhor que tudo o que Platão ensina!
Por isso; e pela sua castidade, Deve ser goso intenso, na verdade, Sentir fundir-se em nós seus olhos regios!..
E o goso de a beijar trémula, amante, Deve ser quasi extranho! - e semelhante Ao de fazer terriveis sacrilegios.
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Seg Set 27, 2010 2:05 pm | |
| Carta ao Mar
Deixa escrever-te, verde mar antigo, Largo Oceano, velho deus limoso, Coração sempre lyrico, choroso, E terno visionario, meu amigo!
Das bandas do poente lamentoso Quando o vermelho sol vae ter comtigo, - Nada é mais grande, nobre e doloroso, Do que tu, - vasto e humido jazigo!
Nada é mais triste, tragico e profundo! Ninguem te vence ou te venceu no mundo!... Mas tambem, quem te poude consollar?!
Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! - E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia; - A Musica é mais triste inda que o Mar!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qua Set 29, 2010 5:11 pm | |
| O Selvagem
Eu não amo ninguem. Tambem no mundo Ninguem por mim o peito bater sente, Ninguem entende meu sofrer profundo, E rio quando chora a demais gente.
Vivo alheio de todos e de tudo, Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas, Selvagem, solitario, inerte e mudo, - Passividade estupida das Cousas.
Fechei, de ha muito, o livro do Passado Sinto em mim o despreso do Futuro, E vivo só commigo, amortalhado N'um egoismo barbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras Regiões dos crueis indifferentes, Meu peito é um covil, onde, ás escuras, Minhas penas calquei, como as serpentes.
E não vejo ninguem. Saio sómente Depois de pôr-se o sol, deserta a rua, Quando ninguem me espreita, nem me sente, E, em lamentos, os cães ladram à lua...
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qui Set 30, 2010 12:45 pm | |
| Na Rua
Veijo-a sempre passar séria, constante, - Às vezes, inclinada na janella, - Tranquilla, fria, e pallido o semblante, Como uma santa triste de capella.
Seu riso sem callor como o brilhante No nosso labio o proprio riso gella, E ella nasceu para chorar diante D'um Christo n'uma estreita e escura cella.
Seu olhar virginal como as crianças Jamais disse do amor as cousas mansas; Jamais vergou da Força ao choque rude.
Abrasa-a um fogo divinal secreto! - eu sinto, mal a avisto, ao seu aspecto, O brio intenso e negro da Virtude.
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Sex Out 01, 2010 12:47 pm | |
| A Lanterna
O sábio antigo andou pelas ruas d'Athenas, Com a lanterna accesa, errante, à luz do dia, Buscando o varão forte e justo da Utopia, Privado de paixões e d'emoções terrenas.
Eu tambem que aborreço as cousas vãs, pequenas E que mais alto puz a sã Philosophia, Há muito busco em vão - há muito, quem diria! O mais cruel ideal das concepções serenas.
Tenho buscado debalde, e em vão por todo o mundo; Esconde-se o ideal no sitio mais profundo, No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dôr!...
De sorte que hoje emfim, descrente, resignado, Concentrei-me em mim só, n'um tédio indignado, E apaguei a lanterna - É só um sonho o Amor!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Seg Out 04, 2010 12:45 pm | |
| Miséria Oculta
Bate nos vidros a aurora, Vem depois a noute escura; E o pobre astro que ali móra, Não abandona a costura!
Para uns a vida é d'abrolhos! Para outros mouta de lyrios! Bem o revelam seus olhos, Pisados pelos martyrios!
Miseria afugenta tudo! Miseria tem dons funestos! Quem é que gaba o velludo D'aquelles olhos honestos!...
Ninguem seus olhos brilhantes Descobre n'essas alturas... E aquellas formas tão puras, E aquellas mãos elegantes!
Sempre á costura inclinada! Morra o sol ou surja a lua Nunca vi descer á rua Aquella loura encantada!
Aquelle lyrio dobrado Por que assim vive escondido! Eu bem sei! - não tem calçado! E é muito usado o vestido!
Por isso não tem porvir Morrerá virgem e nova, E aguarda-a bem cedo a cova... Que eu bem a ouço tossir!
Miseria afugenta tudo! Miseria tem dons funestos! Quem é que gaba o veludo D'aquelles olhos honestos!
Pobre flor desfalecida Tão nova e ainda em botão! Como teve estreita a vida, Terá estreito o caixão!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qua Out 06, 2010 5:11 pm | |
| A Visita
Hontem dormia à noute e, eis que desperto Sacudido d'um vento agudo e forte, Como um homem tocado pela Morte, Ou varrido d'um vento do deserto.
Accordei - era Deus, que de mim perto, Me dizia: Alma sceptica e sem norte! É preciso que creias e te importe Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!
É preciso que a fé cresça em tua alma Como no inutil saibro a verde palma, Verme! filho da Duvida, Eis-me aqui!
Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente! Crê barro vil! - Mas eu, descortezmente, Voltei-me do outro lado e adormeci.
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qui Out 07, 2010 12:17 pm | |
| Soneto D'Um Poeta Morto
Bem sei que hei de morrer cedo e cansado, Alguma cousa triste em mim o diz, E vagarei no mundo desterrado, Como Dante chorando a Beatriz.
Pelos reinos, irei talvez curvado, Como um proscripto princepe infeliz, Ou como o indio pallido e exilado Chorando o vivo azul do seu payz.
Mas no entanto, ah! ninguem ao Sol divino Abrasou mais as azas, derretidas Ante as duras, ferozes multidões!
E ninguem teve a torre d'ouro fino, Aonde, quaes princezas perseguidas, Morreram minhas doudas illusões!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qua Out 13, 2010 2:19 pm | |
| As Aldeias
Eu gosto das aldeias socegadas, Com seu aspecto calmo e pastoril, Erguidas nas collinas azuladas - Mais frescas que as manhãs finas d'Abril.
Levanta a alma ás cousas visionarias A doce paz das suas eminencias, E apraz-nos, pelas ruas solitarias, Ver crescer as inuteis florescencias.
Pelas tardes das eiras - como eu gosto Sentir a sua vida activa e sã! Vel-as na luz dolente do sol posto, E nas suaves tintas da manhã!
As creanças do campo, ao amoroso Calor do dia, folgam seminuas; E exala-se um sabor mysterioso D'a agreste solidão das suas ruas!
Alegram as paysagens as creanças, Mais cheias de murmurios do que um ninho, E elevam-nos ás cousas simples, mansas, Ao fundo, as brancas velas d'um moinho.
Pelas noutes d'estio ouvem-se os rallos Zunirem suas notas sibilantes, E mistura-se o uivar dos cães distantes Com o canto metallico dos gallos...
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Qui Out 14, 2010 4:57 pm | |
| Acusação à Cruz
Ha muito, ó lenho triste e consagrado! Desfeita podridão, velho madeiro! Que tens avassalado o mundo inteiro, Como um pendão de luto levantado.
Se o que foi nos teus braços cravejado Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro, Elle está mais ferido que um guerreiro Para livrar das flexas do Peccado.
Ha muito já que espalhas a tristeza, Que lutas contra a alegre Natureza, E vences ó Cruz triste! Cruz escura!
Chega-te o inverno, symbolo tremendo! Queremos Vida e Acção- Fica-te sendo Um emblema de morte e sepultura!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Sex Out 15, 2010 6:15 pm | |
| Cantiga do Campo
Por que andas tu mal commigo? Ó minha doce trigueira? Quem me dera ser o trigo Que, andando, pisas na eira!
Quando entre as mais raparigas Vaes cantando entre as searas, Eu choro ao ouvir-te as cantigas Que cantas nas noutes claras!
Os que andam na descamisa Gabam a violla tua, Que, ás vezes, ouço na brisa Pelos serenos da lua.
E fallam com tristes vozes Do teu amor singular Áquella casa onde cozes, Com varanda para o mar.
Por isso nada me medra, Ando curvado e sombrio! Quem me dera ser a pedra Em que tu lavas no rio!
E andar comtigo, ó meu pomo, Exposto ás chuvas e aos soes! E uma noute morrer como Se morrem os rouxinoes!
Morrer chorando, n'um choro Que mais as magoas consolla, Levando só o thesouro Da nossa triste violla!
Por que andas tu mal commigo? Ó minha doce trigueira? Quem me dera ser o trigo Que, andando, pisas na eira!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ANTÓNIO GOMES LEAL - O POETA BOÉMIO Seg Out 18, 2010 12:24 pm | |
| Aos Vencedores
Visto que tudo passa e as épicas memorias Dos fortes, dos heroes, se vão cada vez mais, Que tudo é luto e pó! ó vós que triumphaes Não turbeis a razão nos vinhos das vãas glorias!
Não ergais alto a taça, á hora dos gemidos, Esquecidos talvez nos gosos, nos regallos; E não façaes jámais pastar vossos cavallos Na herva que cobrir os ossos dos vencidos!
Não celebreis jámais as festas dos noivados, Não encontreis na volta os lugubres cortejos! - E se amardes, olhae que ao som dos vossos beijos Não respondam da praça os ais dos fusilados!
Sim! - se venceste emfim, folgae todas as horas, Mas deixae lastimar-se os orphãos, as amantes, Nem façaes, junto a nós, altivos, triumphantes, Pelas ruas demais tinir vossas esporas!
Pois toda a gloria é pó! toda a fortuna vã! - - E nós lassos emfim dos prantos dolorosos, Regámos já demais a terra - ó gloriosos Vencedores! talvez, - vencidos d'amanhã!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul' | |
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