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| CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Seg Ago 03, 2009 1:14 pm | |
| O Gato
Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço; Guarda essas garras devagar, E nos teus belos olhos de ágata e aço Deixa-me aos poucos mergulhar.
Quando meus dedos cobrem de carícias Tua cabeça e dócil torso, E minha mão se embriaga nas delícias De afagar-te o elétrico dorso,
Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo Como o teu, amável felino, Qual dardo dilacera e fere fundo,
E, dos pés a cabeça, um fino Ar sutil, um perfume que envenena Envolve-lhe a carne morena.
(Charles Baudelaire) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Qua Ago 05, 2009 9:00 pm | |
| O Monge Maldito
Os devotos painéis dos antigos conventos, Reproduzindo a santa imagem da Verdade, Davam certo conforto aos sóbrios monumentos, Tornavam menos fria aquela austeridade.
Olhos fitos em Deus, nos santos mandamentos, Mais de um monge alcançou palma de santidade, A' Morte consagrando obras e pensamentos Numa vida de paz, de labor, de humildade.
Minh'alma é um coval onde, monge maldito, Desde que existe o mundo, aborrecido, habito, Sem ter um só painel que possa contemplar...
- O' monge mandrião! se quer's viver, contente, uma vida de paz, não seja indolente; Caleja-me essas mãos, trabalha! vai cavar!
(Charles Baudelaire) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Qua Ago 05, 2009 9:02 pm | |
| O Relógio
Os chineses vêem as horas pelos olhos dos gatos. Certo dia, um missionário, passeando no distrito de Nanquim, notou que havia esquecido o relógio e perguntou as horas a um rapazinho. Ao primeiro instante, o garoto do Celeste Império hesitou; depois, pensando melhor, respondeu: -Vou dizer. Decorridos alguns momentos, reaparecia, segurando nos braços um gato, muito gordo; e, fitando o animal, como se usa dizer, no branco do olho, afirmou sem hesitação: -Ainda não é exatamnente mmeio dia. E era verdade. Por mim, ao inclinar-me para a bela Felina, a de nome tão adequado, aquela que é ao mesmo tempo a honra do seu sexo, o orgulho do meu coração e o perfume do meu espírito, -quer de noite, quer de dia, em plena luz ou na sombraopaca, no fundo de seus olhos adoráveis vejo sempre, nitidamente, a hora, sempre a mesma, uma hora vasta, solene, grande como o espaço, sem divisões de minutos nem de segundos, uma hora imóvel que não é marcada nos relógios, e todavia leve como um suspiro, rápida como um olhar. E, se algum importuno me viesse interromper enquanto o meu olhar repousa sobre este delicioso relógio, se algum Gênio descortês e intolerante, algum Demônio do contratempo me viesse dizer : -"Que é que estás a mirar com tamanha atenção? Que buscas nos olhos dessa criatura? Vês acaso neles a hora, mortal prodígo e vagabundo?" - eu responderia sem hesitar:-"Sim, vejo a hora: é a Eternidade." Pois não é, senhora, que fiz um madrigal verdadeiramente meritórioe tão cheio de ênfase quanto vós mesma? Na verdade, tive tanto prazer em bordar esta preciosa galanteria que nã o vos pedirei nada em troca.
(Charles Baudelaire) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Qua Ago 05, 2009 9:25 pm | |
| Lesbos - Poemas Condenados
Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias, Lesbos, ilha onde os beijos, meigos e ditosos, Ardentes como os sóis, frescos quais melancias, Emolduram as noites e os dias gloriosos; Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias;
Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas, Que desabam sem medo em pélagos profundos, E correm, soluçando, em maio às colunatas, Secretos e febris, copiosos e infecundos, Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas!
Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam, Onde jamais ficou sem eco um só queixume, Tal como Pafos as estrelas te veneram, E Safo a Vênus , com razão, inspira ciúme! Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,
Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas, Onde, diante do espelho, ó volúpia maldita! Donzelas de ermo olhar, dos corpos amorosas, Roçam de leve o tenro pomo que as excita; Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,
Deixa o velho Platão franzir seu olho sério; Consegues teu perdão dos beijos incontáveis, Soberana sensual de um doce e nobre império, Cujos requintes serão sempre inesgotáveis. Deixa o velho Platão franzir seu olho sério.
Arrancas teu perdão ao martírio infinito, Imposto sem descanso aos corações sedentos, Que atrai, longe de nós, o sorriso bendito Vagamente entrevisto em outros firmamentos! Arrancas teu perdão ao martírio infinito!
Que Deus, ó Lesbos, teu juiz ousara ser? Ou condenar-te a fronte exausta de extravios, Se nenhum deles o dilúvio pôde ver Das lágrimas que ao mar lançaram os teus rios? Que Deus, ó Lesbos, teu juiz ousara ser?
De que valem as leis do que é justo ou injusto? Virgens de alma sutil, do Egeu orgulho eterno, O vosso credo, assim como os demais, é augusto, E o amor rirá tanto do Céu quanto do Inferno! De que valem as leis do que é justo ou injusto?
Pois Lesbos me escolheu entre todos no mundo Para cantar de tais donzelas os encantos, E cedo eu me iniciei no mistério profundo Dos risos dissolutos e dos turvos prantos; Pois Lesbos me escolheu entre todos no mundo.
E desde então do alto da Lêucade eu vigio, Qual sentinela de olho atento e indagador, Que espreita sem cessar barco, escuna ou navio, Cujas formas ao longe o azul faz supor; E desde então do alto da Lêucade eu vigio
Para saber se a onda do mar é meiga e boa, E entre os soluços, retinindo no rochedo, Enfim trará de volta a Lesbos, que perdoa, O cadáver de Safo, a que partiu tão cedo, Para sabe se a onda do mar é meiga e boa!
Desta Safo viril, que foi amante e poeta, Mais bela do que Vênus pelas tristes cores! - O olho do azul sucumbe ao olho que marcheta O círculo de treva estriado pelas dores Desta Safo viril, que foi amante e poeta!
- Mais bela do que Vênus sobre o mundo erguida, A derramar os dons da paz de que partilha E a flama de uma idade em áurea luz tecida No velho Oceano pasmo aos pés de sua filha; Mais bela do que Vênus sobre o mundo erguida!
- De Safo que morreu ao blasfemar um dia, Quando, trocando o rito e o culto por luxúria, Seu belo corpo ofereceu como iguaria A um bruto cujo orgulho atormentou a injúria Daquela que morreu ao blasfemar um dia.
E desde então Lesbos em pranto lamenta, E, embora o mundo lhe consagre honras e ofertas, Se embriaga toda noite aos uivos da tormenta Que lançam para os céus suas praias desertas! E desde então Lesbos em pranto lamenta!
(Charles Baudelaire)
Última edição por Anarca em Qua Ago 05, 2009 9:29 pm, editado 1 vez(es) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Qua Ago 05, 2009 9:29 pm | |
| As Metamorfoses do Vampiro
E no entanto a mulher, com lábios de framboesa Coleando qual serpente ao pé da lenha acesa, E o seio a comprimir sob o aço do espartilho, Dizia, a voz imersa em bálsamo e tomilho: - "A boca úmida eu tenho e trago em mim a ciência De no fundo de um leito afogar a consciência. As lágrimas eu seco em meios seios triunfantes, E os velhos faço rir com o riso dos infantes. Sou como, a quem me vê sem véus a imagem nua, As estrelas, o sol, o firmamento e a lua! Tão douta na volúpia eu sou, queridos sábios, Quando um homem sufoco à borda de meus lábios, Ou quando os seio oferto ao dente que o mordisca, Ingênua ou libertina, apática ou arisca, Que sobre tais coxins macios e envolventes Perder-se-iam por mim os anjos impotentes!"
Quando após me sugar dos ossos a medula, Para ela me voltei já lânguido e sem gula À procura de um beijo, uma outra eu vi então Em cujo ventre o pus se unia à podridão!
Os dois olhos fechei em trêmula agonia, E ao reabri-los depois, à plena luz do dia, Ao meu lado, em lugar do manequim altivo, No qual julguei ter visto a cor do sangue vivo, Pendiam do esqueleto uns farrapos poeirentos, Cujo grito lembrava a voz dos cata-ventos Ou de uma tabuleta à ponta de uma lança, Que nas noites de inverno ao vento se balança.
(Charles Baudelaire) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Qua Ago 05, 2009 9:40 pm | |
| EMBRIAGUEM-SE
É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.
Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.
E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso”. Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.
(Charles Baudelaire) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO Qua Ago 19, 2009 12:33 pm | |
| O Vinho dos Amantes
Hoje o espaço é de luzes cheio! Sem esporas, rédeas e freio, Vamos a cavalo a um destino Que o vinho torna um céu divino!
Como dois anjos que tortura Uma implacável calentura, No cristal azul da paisagem Sigamos a longe miragem!
Molemente presos num elo Dum turbilhão orientado; Num pesadelo paralelo,
Minha irmã, junto a mim, a nado, Fugiremos sempre risonhos Ao paraíso dos meus sonhos!
(Charles Baudelaire) | |
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| Assunto: Re: CHARLES BAUDELAIRE - O POETA MALDITO | |
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