| | JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO | |
| | Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Seg maio 17, 2010 12:44 am | |
| José Mário Branco
Filho de professores primários, cresceu no Porto e frequentou o curso de História, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que não concluiu. Expoente da música de intervenção portuguesa, iniciou a sua carreira durante o Estado Novo, tendo sido perseguido e exilado em França, entre 1963 e 1974. Com ele trabalharam José Afonso, Sérgio Godinho, Luís Represas, Fausto e Camané, entre outros, com os quais participou em concertos ou em álbuns editados como cantor e autor e/ou como responsável pelos arranjos musicais. Igualmente compôs e cantou para o teatro, o cinema e a televisão. Em 1974 fundou o GAC - Grupo de Acção Cultural com o qual gravou dois álbuns.
Entre música de intervenção, fado e outras, são obras suas famosas os discos Ser Solidário, Margem de Certa Maneira, A noite e o emblemático FMI, obra síntese do movimento revolucionário português com seus sonhos e desencantos. Esta última foi pelo próprio proibida de passar em qualquer rádio, TV ou outro tipo de exibição pública. Não obstante este facto, FMI será, provavelmente, a sua obra mais conhecida. O seu álbum mais recente, lançado em 2004, intitula-se Resistir é Vencer em homenagem ao povo timorense que resistiu durante décadas à ocupação pelas forças da Indonésia logo após o 25 de Abril. O ideário socialista está expresso em muitas das suas letras.
Em 2006, com 64 anos, José Mário Branco iniciou uma licenciatura em Linguística, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Terminou o 1º ano com média de 19,1 valores, sendo considerado o melhor aluno do seu curso. Os prémios que lhe foram atribuídos, rejeitou, dizendo que é «algo normal numa carreira académica». | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Seg maio 17, 2010 12:51 am | |
| O charlatão
Numa rua de má fama fáz negócio um charlatão vende perfumes de lama anéis d'ouro a um tostão enriquece o charlatão No beco mal afamado as mulheres não têm marido um está preso, outro é soldado um está morto e outro f'rido e outro em França anda perdido
É entrar, senhorias a ver o que cá se lavra sete ratos, três enguias uma cabra abracadabra Na ruela de má fama o charlatão vive à larga chegam-lhe toda a semana em camionetas de carga rezas doces, paga amarga
No beco dos mal-fadados os catraios passam fome têm os dentes enterrados no pão que ninguém mais come os catraios passam fome
Na travessa dos defuntos charlatões e charlatonas discutem dos seus assuntos repartem-s'em quatro zonas instalados em poltronas
Pr'á rua saem toupeiras entra o frio nos buracos dorme a gente nas soleiras das casas feitas em cacos em troca d'alguns patacos
Entre a rua e o país vai o passo dum anão vai o rei que ninguém quis vai o tiro dum canhão e o trono é do charlatão
É entrar, senhorias É entrar, senhorias
Música: José Mário Branco Letra: Sérgio Godinho | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Ter maio 18, 2010 9:45 pm | |
| Mãe coragem
Ai o meu pobre filho, que rico que é ai o meu rico filho, que pobre que é nascidos do mesmo ventre um vive de joelhos pr'ó outro passar à frente e esta velha mãe pr'áqui já no sol poente
Um dia há muito tempo, vi-os partir levando cada um do outro o porvir seguiram pla estrada fora um voltou-se pra trás, disse adeus que me vou embora voltaremos trazendo connosco a vitória
De que vitória falas, disse eu então da que faz um escravo do teu irmão? ou duma outra que rebenta como um rio de fúria no peito feito tormenta quando não há nada a perder no que se tenta?
Passaram muitos anos sem mais saber nem por onde paravam, nem se por ter criado os dois no mesmo chão eram ainda irmãos, partilhavam ainda o pão e o silêncio enchia de morte o meu coração
Depois vieram novas que o que vivia da miséria do outro, se enriquecia não foi pra isto que andei dias que foram longos e noites que não contei a lutar pra ter a justiça como lei
Às vezes rogo pragas de os ver assim sinto assim uma faca dentro de mim sei que estou velha e doente mas para ver o mundo girar dum modo diferente 'inda sei gritar, e arreganhar o dente
Estou quase a ir embora, mas deixo aqui duas palavras pra um filho que perdi não quero dar-te conselhos mas s'é o teu próprio irmão que te faz viver de joelhos doa a quem doer, faz o que tens a fazer
Música: José Mário Branco Letra: Sérgio Godinho | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Dom maio 23, 2010 7:15 pm | |
| As canseiras desta vida
As canseiras desta vida tanta mãe envelhecida a escovar a escovar a jaqueta carcomida fica um farrapo a brilhar
Cozinheira que se esmera faz a sopa de miséria a contar a contar os tostões da minha féria e a panela a protestar
Dás as voltas ao suor fim do mês é dia 30 e a sexta é depois da quinta sempre de mal a pior
E cada um se lamenta que isto assim não pode ser que esta vida não se aguenta - o que é que se há-de fazer?
Corta a carne, corta o peixe não há pão que o preço deixe a poupar a poupar a notinha que se queixa tão difícil de ganhar
Anda a mãe do passarinho a acartar o pão pró ninho a cansar a cansar com a lama do caminho só se sabe lamentar
É mentira, é verdade vai o tempo, vem a idade a esticar a esticar a ilusão de liberdade pra morrer sem acordar
É na morte ou é na vida que está a chave escondida do portão do portão deste beco sem saída - qual será a solução?
Letra e música: José Mário Branco | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Qui maio 27, 2010 11:11 pm | |
| Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Há um fogo enorme no jardim da guerra E os homens semeiam fagulhas na terra Os homens passeiam co'os pés no carvão que os Deuses acendem luzindo um tição
Pra apagar o fogo vêm embaixadores trazendo no peito água e extintores Extinguem as vidas dos que caiem na rede e dão água aos mortos que já não têm sede
Ao circo da guerra chegam piromagos abrem grande a boca quando são bem pagos soltam labaredas pela boca cariada fogo que não arde nem queima nem nada
Senhores importantes fazem piqueniques churrascam o frango no ardor dos despiques Engolem sangria dos sangues fanados E enxugam os beiços na pele dos queimados
É guerra de trapos no pulmão que cessa do óleo cansado que arde depressa Os homens maciços cavam-se por dentro e o fogo penetra, vai directo ao centro
Música: José Mário Branco Letra: Sérgio Godinho | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Sáb Jun 05, 2010 9:22 pm | |
| Capotes brancos, capotes negros
Capote preto, capote branco Quem dá o flanco Nunca se defende bem
Capote branco, capote preto O Xico-esperto Usa a cor que lhe convém
Em tempos que já lá vão Vinham uns homens de mão A soldo da reacção Armar brigas e banzé Junto ao Palácio de Sebastião José Mas o Pombal, sabido Estava prevenido E tinha preparado O seu esquadrão privado
E não pisavam o risco No Bairro Alto os brigões de S Francisco Enquanto o povo assistia Às contradições que havia No seio da fidalguia Vinha a bófia endireitar O Bairro Alto que ela andava a entortar Os reaccionários, de um lado Capote preto, cruzado Do outro lado, os brancos Que os punham logo a fancos E não sei porque razão Quem se lixava era sempre o mexilhão
Letra e música: José Mário Branco | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Ter Jun 08, 2010 9:22 pm | |
| Casa comigo Marta
Chamava-se ela Marta Ele Doutor Dom Gaspar Ela pobre e gaiata Ele rico e tutelar Gaspar tinha por Marta uma paixão sem par Mas Marta estava farta mais que farta de o aturar - Casa comigo Marta Que estou morto por casar - Casar contigo, não maganão Não te metas comigo, deixa-me da mão
Casa comigo Marta Tenho roupa a passajar Tenho talheres de prata Que estão todos por lavar Tenho um faisão no forno e não sei cozinhar Camisas, camisolas, lenços, fatos por passar - Casa comigo Marta Tenho roupa a passajar - Casar contigo, não maganão Não te metas comigo deixa-me da mão
Casa comigo Marta Tenho acções e rendimentos Tenho uma cama larga Num dos meus apartamentos Tenho ouro na Suíça e padrinhos aos centos Empresto e hipoteco e transacciono investimentos - Casa comigo Marta Tenho acções e rendimentos - Casar contigo, não maganão Não te metas comigo deixa-me da mão
Casa comigo Marta Tenho rédeas p'ra mandar Tenho gente que trata De me fazer respeitar Tenho meios de sobra p'ra te nomear Rainha dos pacóvios de aquém e além mar - Casas comigo Marta Que eu obrigo-te a casar - Casar contigo, não maganão Só me levas contigo dentro de um caixão
Música: José Mário Branco Letra: Sérgio Godinho | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Sex Jun 11, 2010 8:28 pm | |
| Eh! Companheiro
Eh! Companheiro aqui estou aqui estou pra te falar Estas paredes me tolhem os passos que quero dar uma e feita de granito não se pode rebentar outra de vidro rachado p'ras duas pernas cortar
Eh! Companheiro resposta resposta te quero dar Só tem medo desses muros quem tem muros no pensar todos sabemos do pássaro cá dentro a qu'rer voar se o pensamento for livre todos vamos libertar
Eh! Companheiro eu falo eu falo do coração Já me acostumei à cor desta negra solidão já o preto que vai bem já o branco ainda não não sei quando vem o vento pra me levar de avião
Eh! Companheiro respondo respondo do coração ser sozinho não é sina nem de rato de porão faz também soprar o vento não esperes o tufão põe sementes do teu peito nos bolsos do teu irmão
Eh! Companheiro vou falar vou falar do meu parecer Vira o vento muda a sorte toda a vida ouvi dizer soprou muita ventania não vi a sorte crescer meu destino e sempre o mesmo desde moço até morrer
Eh! Companheiro aqui estou aqui estou p'ra responder Sorte assim não cresce a toa como urtiga por colher cresce nas vinhas do povo leva tempo a amadur'cer quando mudar seu destino está ao alcance de um viver
Eh! Companheiro aqui estou aqui estou pra te falar De toda a parte me chamam não sei p'ra onde me virar uns que trazem fechadura com portas para espreitar outros que em nome da paz não me deixam nem olhar
Eh! Companheiro resposta resposta te quero dar Portas assim foram feitas p'ra se abrir de par em par não confundas duas coisas cada paz em seu lugar pela paz que nos recusam muito temos de lutar.
Música: José Mário Branco Letra: Sérgio Godinho | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Dom Jun 27, 2010 6:51 pm | |
| Fado da tristeza
Não cantes alegrias a fingir Se alguma dor existir A roer dentro da toca Deixa a tristeza sair Pois só se aprende a sorrir Com a verdade na boca
Quem canta uma alegria que não tem Não conta nada a ninguém Fala verdade a mentir Cada alegria que inventas Mata a verdade que tentas Pois e tentar a fingir
Não cantes alegrias de encomenda Que a vida não se remenda Com morte que não morreu Canta da cabeça aos pés Canta com aquilo que és Só podes dar o que é teu
Letra e música: José Mário Branco | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: JOSÉ MARIO BRANCO - O POETA DE INTERVENÇÂO Sex Jul 02, 2010 9:45 pm | |
| Eu vim de longe
Quando o avião aqui chegou quando o mês de Maio começou eu olhei para ti então entendi foi um sonho mau que já passou foi um mau bocado que acabou
Tinha esta viola numa mão uma flor vermelha n'outra mão tinha um grande amor marcado pela dor e quando a fronteira me abraçou foi esta bagagem que encontrou
Eu vim de longe de muito longe o que eu andei p'ra'qui chegar Eu vou p'ra longe p'ra muito longe onde nos vamos encontrar com o que temos p'ra nos dar
E então olhei à minha volta vi tanta esperança andar à solta que não exitei e os hinos cantei foram feitos do meu coração feitos de alegria e de paixão
Quando a nossa festa s'estragou e o mês de Novembro se vingou eu olhei p'ra ti e então entendi foi um sonho lindo que acabou houve aqui alguém que se enganou
Tinha esta viola numa mão coisas começadas noutra mão tinha um grande amor marcado pela dor e quando a espingarda se virou foi p'ra esta força que apontou
Letra e música: José Mário Branco | |
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