| MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Dom Ago 23, 2009 3:23 pm | |
| Pintor e poeta português, natural de Lisboa. A sua formação artística inclui o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudos na área de música, com Fernando Lopes Graça. Mais tarde, viria a frequentar a Academia de La Grande Chaumière, em Paris, cidade onde conheceu André Breton, em 1947. Rapidamente atraído pelas propostas do movimento surrealista francês, tornou-se um dos mais importantes defensores do movimento em Portugal. Ainda nesse ano, integrou o Grupo Surrealista de Lisboa.
Cesariny, figura sempre inquieta e questionadora, afastava-se assim, de maneira definitiva, do movimento neo-realista. Passou a adoptar uma atitude estética de constante experimentação, logo visível nas suas primeiras colagens e pinturas informalistas realizadas com tintas de água, e distribuídas no suporte de forma aleatória. Seria este princípio anárquico que conduziria a obra de Cesariny ao longo da sua vida (incluindo a sua produção poética, que o autor considerava construir a partir deste desregramento inicial das suas experiências na pintura). A continuidade da sua prática plástica levá-lo-ia, portanto, a seguir uma corrente gestualista, por vezes pontuada de um corrosivo humor. Dinamizador da prática surrealista em Lisboa, Cesariny iria criar «antigrupos», com a mesma orientação mas questionando e procurando um grau extremo de espontaneidade, tentativa também visível na sua obra poética. Participou, em 1949 e 1950, nas I e II Exposições dos Surrealistas, pólos de atenção de novos pintores, mas ignoradas pela imprensa.
Crescentemente dedicado à escrita, Cesariny viria a publicar as obras poéticas Corpo Visível (1950), Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), Manual de Prestidigitação (1956), Pena Capital (1957), Nobilíssima Visão (1959), Poesia, 1944-1955 (1961), Planisfério e Outros Poemas (1961), Um Auto para Jerusalém (1964), As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1972), Burlescas, Teóricas e Sentimentais (1972), Titânia e a Cidade Queimada (1977), O Virgem Negra. Fernando Pessoa Explicado às Criancinhas Naturais & Estrangeiras (1989), e a obra de ficção Titânia (1994). A edição da sua obra não segue linearmente a cronologia da sua produção. Corpo Visível é o volume em que as características surrealistas são já dominantes — em textos anteriores, a denúncia social aproximava-se, por vezes, do neo-realismo, embora já em Nobilíssima Visão esta escola fosse objecto de um olhar crítico. O humor, o recurso ao non-sense e ao absurdo, são marcas da escrita de Cesariny, de uma ironia por vezes violenta, que incide sobre figuras e mitos consagrados da cultura portuguesa e ocidental.
Da sua obra escrita sobre a temática do surrealismo, que analisou e teorizou em vários textos, fazem parte A Intervenção Surrealista (1958), a organização e autoria parcial da Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito (1961), a antologia Surreal-Abjection(ismo) (1963), Do Surrealismo e da Pintura (1967), Primavera Autónoma das Estradas (1980) e Vieira da Silva – Arpad Szènes, ou O Castelo Surrealista (1984).
Última edição por Anarca em Ter Jan 19, 2010 7:39 pm, editado 1 vez(es) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Dom Ago 23, 2009 3:25 pm | |
| Raio de luz
Burgueses somos nós todos ou ainda menos. Burgueses somos nós todos desde pequenos. Burgueses somos nós todos ó literatos. Burgueses somos nós todos ratos e gatos Burgueses somos nós todos por nossas mãos. Burgueses somos nós todos que horror irmãos.
Burgueses somos nós todos ou ainda menos. Burgueses somos nós todos desde pequenos.
(Mário Cezariny)) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Seg Ago 24, 2009 10:18 pm | |
| Os Pássaros de Londres
Os pássaros de Londres cantam todo o inverno como se o frio fosse o maior aconchego nos parques arrancados ao trânsito automóvel nas ruas da neve negra sob um céu sempre duro os pássaros de Londres falam de esplendor com que se ergue o estio e a lua se derrama por praças tão sem cor que parecem de pano em jardins germinando sob mantos de gelo como se gelo fora o linho mais bordado ou em casas como aquela onde Rimbaud comeu e dormiu e estendeu a vida desesperada estreita faixa amarela espécie de paralela entre o tudo e o nada os pássaros de Londres
quando termina o dia e o sol consegue um pouco abraçar a cidade à luz razante e forte que dura dois minutos nas árvores que surgem subitamente imensas no ouro verde e negro que é sua densidade ou nos muros sem fim dos bairros deserdados onde não sabes não se vida rogo amor algum dia erguerão do pavimento cínzeo algum claro limite os pássaros de Londres cumprem o seu dever de cidadãos britânicos que nunca nunca viram os céus mediterrânicos
Mário Cesariny, in "Poemas de Londres" | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qua Ago 26, 2009 11:28 pm | |
| Em Todas as Ruas te Encontro
Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto tão perto tão real que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco
Mário Cesariny, in "Pena Capital" | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Sáb Ago 29, 2009 8:26 pm | |
| O Raul Leal era
O Raul Leal era O único verdadeiro doido do "Orpheu". Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera? Invejava-a eu.
Três fortunas gastou, outras três deu Ao que da vida não se espera E à que na morte recebeu. O Raul Leal era O único não-heterónimo meu.
Eu nos Jerónimos ele na vala comum Que lhe vestiu o nome e o disfarce (Dizem que está em Benfica) ambos somos um Dos extremos do mal a continuar-se.
Não deixou versos? Deixei-os eu, Infelizmente, a quem mos deu. O Almada? O Santa-Ritta? O Amadeo? Tretas da arte e da era. O Raul era Orpheu.
(Mário Cesariny). | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Seg Ago 31, 2009 5:26 pm | |
| Faz-me o favor...
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada! Supor o que dirá Tua boca velada É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor Do que o dirias. O que és nao vem à flor Das caras e dos dias.
Tu és melhor -- muito melhor!-- Do que tu. Não digas nada. Sê Alma do corpo nu Que do espelho se vê.
(Mário Cesariny). | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Ter Set 01, 2009 9:15 pm | |
| Lembra-te
Lembra-te que todos os momentos que nos coroaram todas as estradas radiosas que abrimos irão achando sem fim seu ansioso lugar seu botão de florir o horizonte e que dessa procura extenuante e precisa não teremos sinal senão o de saber que irá por onde fomos um para o outro vividos
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Sáb Set 05, 2009 10:21 am | |
| De profundis amamus
Ontem às onze fumaste um cigarro encontrei-te sentado ficámos para perder todos os teus eléctricos os meus estavam perdidos por natureza própria
Andámos dez quilómetros a pé ninguém nos viu passar excepto claro os porteiros é da natureza das coisas ser-se visto pelos porteiros
Olha como só tu sabes olhar a rua os costumes
O Público o vinco das tuas calças está cheio de frio e há quatro mil pessoas interessadas nisso
Não faz mal abracem-me os teus olhos de extremo a extremo azuis vai ser assim durante muito tempo decorrerão muitos séculos antes de nós mas não te importes não te importes muito nós só temos a ver com o presente perfeito corsários de olhos de gato intransponível maravilhados maravilhosos únicos nem pretérito nem futuro tem o estranho verbo nosso
(Mário Cesariny)
Última edição por Anarca em Qui Set 10, 2009 11:33 pm, editado 1 vez(es) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qua Set 09, 2009 8:33 pm | |
| Visto a esta luz
Visto a esta luz és um porto de mar como reverberos de ondas onde havia mãos rebocadores na brancura dos braços
Constroem-te um ponte que deverá cingir-te os rins para sempre
O que há horrível no teu corpo diurno é a sua avareza de palavras és tu inutilmente iluminado e quente como um resto saído de outras eras que te fizeram carne e se foram embora porque verdade sem erro certo verdadeiro nada era noite bastante para tocarmos melhor as nossas mãos de nautas navegando o espaço os corpos um e dois do navio de espelhos filhos e filhas do imponderável de cabeça para baixo a ver a terra girar
Quero-te sempre como nã querer-te? mas esta luz de sinopla nas calças! este interposto objecto e o seu leve peso de eternidade
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qui Set 10, 2009 11:33 pm | |
| Uma certa quantidade
Uma certa quantidade de gente à procura de gente à procura duma certa quantidade
Soma: uma paisagem extremamente à procura o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha) e o problema do quarto-atelier-avião
Entretanto e justamente quando já não eram precisos apareceram os poetas à procura e a querer multiplicar tudo por dez má raça que eles têm ou muito inteligentes ou muito estúpidos pois uma e outra coisa eles são Jesus Aristóteles Platão abrem o mapa: dói aqui dói acolá
E resulta que também estes andavam à procura duma certa quantidade de gente que saía à procura mas por outras bandas bandas que por seu turno também procuravam imenso um jeito certo de andar à procura deles visto todos buscarem quem andasse incautamente por ali a procurar
Que susto se de repente alguém a sério encontrasse que certo se esse alguém fosse um adolescente como se é uma nuvem um atelier um astro
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Dom Set 13, 2009 1:25 pm | |
| Voz numa pedra
Não adoro o passado não sou três vezes mestre não combinei nada com as furnas não é para isso que eu cá ando decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João nenhuma nenhuma palavra está completa nem mesmo em alemão que as tem tão grandes assim também eu nunca te direi o que sei a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento
Não digo como o outro: sei que não sei nada sei muito bem que soube sempre umas coisas que isso pesa que lanço os turbilhões e vejo o arco íris acreditando ser ele o agente supremo do coração do mundo vaso de liberdade expurgada do menstruo rosa viva diante dos nossos olhos Ainda longe longe essa cidade futura onde «a poesia não mais ritmará a acção porque caminhará adiante dela» Os pregadores de morte vão acabar? Os segadores do amor vão acabar? A tortura dos olhos vai acabar? Passa-me então aquele canivete porque há imenso que começar a podar passa não me olhas como se olha um bruxo detentor do milagre da verdade a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma nada está escrito afinal
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Sáb Set 19, 2009 5:50 pm | |
| Ao longo da muralha
Ao longo da muralha que habitamos Há palavras de vida há palavras de morte Há palavras imensas,que esperam por nós E outras frágeis,que deixaram de esperar Há palavras acesas como barcos E há palavras homens,palavras que guardam O seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras,surdamente, As mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos Palavras que nos sobem ilegíveis À boca Palavras diamantes palavras nunca escritas Palavras impossíveis de escrever Por não termos connosco cordas de violinos Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar E os braços dos amantes escrevem muito alto Muito além da azul onde oxidados morrem Palavras maternais só sombra só soluço Só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Dom Set 20, 2009 3:40 pm | |
| Lembra-te
Lembra-te que todos os momentos que nos coroaram todas as estradas radiosas que abrimos irão achando sem fim seu ansioso lugar seu botão de florir o horizonte e que dessa procura extenuante e precisa não teremos sinal senão o de saber que irá por onde fomos um para o outro vividos
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Seg Set 21, 2009 10:14 pm | |
| Faz-se luz pelo processo Faz-se luz pelo processo de eliminação de sombras Ora as sombras existem as sombras têm exaustiva vida própria não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela intensamente amantes loucamente amadas e espalham pelo chão braços de luz cinzenta que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz não ilumina realmente os objectos os objectos vivem às escuras numa perpétua aurora surrealista com a qual não podemos contactar senão como amantes de olhos fechados e lâmpadas nos dedos e na boca
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Seg Set 28, 2009 9:27 pm | |
| Visto a esta luz
Visto a esta luz és um porto de mar como reverberos de ondas onde havia mãos rebocadores na brancura dos braços
Constroem-te um ponte que deverá cingir-te os rins para sempre
O que há horrível no teu corpo diurno é a sua avareza de palavras és tu inutilmente iluminado e quente como um resto saído de outras eras que te fizeram carne e se foram embora porque verdade sem erro certo verdadeiro nada era noite bastante para tocarmos melhor as nossas mãos de nautas navegando o espaço os corpos um e dois do navio de espelhos filhos e filhas do imponderável de cabeça para baixo a ver a terra girar
Quero-te sempre como nã querer-te? mas esta luz de sinopla nas calças! este interposto objecto e o seu leve peso de eternidade
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qua Set 30, 2009 12:10 am | |
| Uma certa quantidade
Uma certa quantidade de gente à procura de gente à procura duma certa quantidade
Soma: uma paisagem extremamente à procura o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha) e o problema do quarto-atelier-avião
Entretanto e justamente quando já não eram precisos apareceram os poetas à procura e a querer multiplicar tudo por dez má raça que eles têm ou muito inteligentes ou muito estúpidos pois uma e outra coisa eles são Jesus Aristóteles Platão abrem o mapa: dói aqui dói acolá
E resulta que também estes andavam à procura duma certa quantidade de gente que saía à procura mas por outras bandas bandas que por seu turno também procuravam imenso um jeito certo de andar à procura deles visto todos buscarem quem andasse incautamente por ali a procurar
Que susto se de repente alguém a sério encontrasse que certo se esse alguém fosse um adolescente como se é uma nuvem um atelier um astro
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qui Out 01, 2009 10:16 pm | |
| Voz numa pedra
Não adoro o passado não sou três vezes mestre não combinei nada com as furnas não é para isso que eu cá ando decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João nenhuma nenhuma palavra está completa nem mesmo em alemão que as tem tão grandes assim também eu nunca te direi o que sei a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento
Não digo como o outro: sei que não sei nada sei muito bem que soube sempre umas coisas que isso pesa que lanço os turbilhões e vejo o arco íris acreditando ser ele o agente supremo do coração do mundo vaso de liberdade expurgada do menstruo rosa viva diante dos nossos olhos Ainda longe longe essa cidade futura onde «a poesia não mais ritmará a acção porque caminhará adiante dela» Os pregadores de morte vão acabar? Os segadores do amor vão acabar? A tortura dos olhos vai acabar? Passa-me então aquele canivete porque há imenso que começar a podar passa não me olhas como se olha um bruxo detentor do milagre da verdade a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma nada está escrito afinal
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qui Out 08, 2009 9:55 pm | |
| O Raul Leal era
O Raul Leal era O único verdadeiro doido do "Orpheu". Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera? Invejava-a eu.
Três fortunas gastou, outras três deu Ao que da vida não se espera E à que na morte recebeu. O Raul Leal era O único não-heterónimo meu.
Eu nos Jerónimos ele na vala comum Que lhe vestiu o nome e o disfarce (Dizem que está em Benfica) ambos somos um Dos extremos do mal a continuar-se.
Não deixou versos? Deixei-os eu, Infelizmente, a quem mos deu. O Almada? O Santa-Ritta? O Amadeo? Tretas da arte e da era. O Raul era Orpheu.
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Sáb Out 10, 2009 12:10 am | |
| Faz-me o favor
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada! Supor o que dirá Tua boca velada É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor Do que o dirias. O que és nao vem à flor Das caras e dos dias.
Tu és melhor - muito melhor!- Do que tu. Não digas nada. Sê Alma do corpo nu Que do espelho se vê.
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Sáb Out 10, 2009 10:53 pm | |
| Os sebastiacas trombos não deixaram partir
Os sebastiacas trombos não deixaram partir Portugal para o Brasil. Vagos ficamos da amurada aos tombos Para a largada rombos Do corpo de Portugal.
Mas a Hora deixada ao sono vil Dos que provendo tudo podem nada Mais que o fogo senil Do Império Final, Cintila na amurada: Não há Portugal e Brasil. Brasil é Portugal.
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Dom Out 11, 2009 7:18 pm | |
| O Álvaro gosta muito
O Álvaro gosta muito de levar no cu O Alberto nem por isso O Ricardo dá-lhe mais para ir O Fernando emociona-se e não consegue acabar.
O Campos Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia Ficavam-lhe os olhos brancos E não falava, mordia. O Alberto É mais por causa da fotografia Das árvores altas nos montes perto Quando passam rapazes O que nem sempre sucedia.
O Fernando o seu maior desejo desde adulto (Mas já na tenra idade lhe provia) Era ver os hètèros a foder uns com os outros Pela seguinte ordem e teoria: O Ricardo no chão, debaixo de todos (era molengão Em não se tratando de anacreônticas) introduzia- -se no Alberto até à base E com algum incómodo o Alberto erguia [...]
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Ter Out 13, 2009 11:15 pm | |
| You Are
You Are Welcome To Elsinore
Entre nós e as palavras há metal fundente Entre nós e as palavras há hélices que andam E podem dar-nos morte violar-nos tirar Do mais fundo de nós o mais útil segredo Entre nós e as palavras há perfis ardentes Espaços cheios de gente de costas Altas flores venenosas portas por abrir E escadas e ponteiros e crianças sentadas À espera do seu tempo e do seu precipício Ao longo da muralha que habitamos Há palavras de vida há palavras de morte Há palavras imensas,que esperam por nós E outras frágeis,que deixaram de esperar Há palavras acesas como barcos E há palavras homens,palavras que guardam O seu segredo e a sua posição Entre nós e as palavras,surdamente, As mãos e as paredes de Elsenor E há palavras e nocturnas palavras gemidos Palavras que nos sobem ilegíveis À boca Palavras diamantes palavras nunca escritas Palavras impossíveis de escrever Por não termos connosco cordas de violinos Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar E os braços dos amantes escrevem muito alto Muito além da azul onde oxidados morrem Palavras maternais só sombra só soluço Só espasmos só amor só solidão desfeita Entre nós e as palavras ,os emparedados E entre nós e as palavras ,o nosso dever falar.
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qua Out 14, 2009 11:45 pm | |
| Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura nem a crítica de arte nem a câmara escura Afinal o que importa não é bem o negócio nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio Afinal o que importa não é ser novo e galante - ele há tanta maneira de compor uma estante Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício Não é verdade rapaz? E amanhã há bola antes de haver cinema madame blanche e parola Que afinal o que importa não é haver gente com fome porque assim como assim ainda há muita gente que come Que afinal o que importa é não ter medo de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: Gerente! Este leite está azedo! Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo No riso admirável de quem sabe e gosta ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Qui Out 15, 2009 10:59 pm | |
| Poema
Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto tão perto tão real que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco
(Mário Cesariny) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: MÁRIO CESARINY - O DESREGRADO Sex Out 16, 2009 8:38 pm | |
| De profundis amamus
Ontem às onze fumaste um cigarro encontrei-te sentado ficámos para perder todos os teus eléctricos os meus estavam perdidos por natureza própria Andámos
dez quilómetros a pé ninguém nos viu passar excepto claro os porteiros é da natureza das coisas ser-se visto pelos porteiros Olha como só tu sabes olhar a rua os costumes O Público o vinco das tuas calças está cheio de frio e há quatro mil pessoas interessadas nisso Não faz mal abracem-me os teus olhos de extremo a extremo azuis vai ser assim durante muito tempo decorrerão muitos séculos antes de nós mas não te importes não te importes muito nós só temos a ver com o presente perfeito corsários de olhos de gato intransponível maravilhados maravilhosos únicos nem pretérito nem futuro tem o estranho verbo nosso
(Mário Cesariny) | |
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