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 ROBERT KURTZ - Pensamento e obras

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MensagemAssunto: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptySex maio 07, 2010 6:27 pm

O Programa Suicida da Economia

Crescimento económico pode inviabilizar em pouco tempo a existência na Terra

Robert Kurtz é sociólogo e ensaísta alemão; publicou no Brasil, entre outros, "O colapso da modernização" e "A volta do Potenkim" (Paz e Terra); é co-editor da revista "Krisis"; ele escreve uma vez por mês na série "Autores".

Já faz quase um quarto de século que o cientista norte-americano Dennis Meadows e seus colaboradores apresentaram o famoso relatório do Clube de Roma sobre "os limites do crescimento". Nele se mostra que o crescimento exponencial da economia moderna acarreta como conseqüência necessária, num espaço de tempo historicamente curto, uma catástrofe dos fundamentos naturais da vida. O consumo voraz de recursos e a emissão desenfreada de poluentes, afirma Meadows, põem em xeque a sobrevivência da humanidade.

Em termos empíricos, o resultado é inequívoco e só pode ser contestado por ignorantes. As condições elementares da vida, como a água, o ar e a terra, estão expostas a um crescente processo de envenenamento. A camada protetora de ozônio na atmosfera é corroída. No Sul da Argentina e na Austrália, uma infinidade de ovelhas já pasta com cancros à mostra, e também para os homens o banho de sol torna-se perigoso. A água potável, além de sofrer contaminação, está cada vez mais escassa. Os desertos avançam dia a dia, e há prognósticos de que a guerra do século 21 terá como estopim o controle de mananciais hídricos.

Com uma rapidez inquietante, são extintas espécies da flora e da fauna. As florestas tropicais, a maior reserva natural da Terra, desaparecem num piscar de olhos. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial até hoje, a destruição foi maior do que em toda a história da humanidade. Com a ingestão excessiva de ingredientes tóxicos, o sistema imunológico humano ameaça entrar em colapso (sobretudo nas crianças). Os médicos profetizam o surgimento de novas epidemias, contra às quais não haverá remédio.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptySeg maio 10, 2010 12:39 pm

A lista das destruições e das catástrofes iminentes poderia ser prolongada infinitamente. A própria beleza do mundo desaparece. A economia de mercado desfigura o semblante da natureza. Quando visitei São Paulo, mostraram-me antigas fotos de um rio no qual se podia banhar, em cujas margens passeavam os habitantes e que constituía um espaço popular de lazer. Tive oportunidade de ver esse rio hoje em dia: uma espécie de esgoto a céu aberto, com águas turvas e malcheirosas, em cujas margens só os ratos fazem seu passeio.

Lamentáveis comparações como esta podem ser feitas em todos os países. Tudo indica que a economia trabalha com mais eficiência para transformar todo o planeta num fedorento depósito de lixo e finalmente extinguir a vida humana.

Desde o estudo de Meadows, pelo menos, o problema do "meio ambiente" tornou-se em todos os países objeto de debates políticos. Mas tais debates não são dignos de confiança. O lema é: "Sair à chuva e não se molhar". Os políticos, como mentirosos profissionais, exortam a humanidade a uma conversão e prodigalizam adágios morais como a indústria prodigaliza lixo.

Gastam milhões de litros de querosene para promover reuniões nas quais nada é decidido. Em 1992, reuniram-se no Rio de Janeiro eminências políticas e chefes de Estado de todo o mundo, a fim de deliberar sobre a proteção da natureza, do meio ambiente, da atmosfera e da água. Armou-se um grande aparato para a perfumaria política. Mas o resultado final foi equivalente a zero.

Os próprios homens de bem e dignitários do Clube de Roma e iniciativas afins clamam a plenos pulmões a necessidade de uma "revolução global" para salvar a natureza e a humanidade. Mas desde quando as revoluções são feitas por dignitários e homens de bem?

Na verdade, as propostas do Clube de Roma são tudo menos revolucionárias. Como todos valorosos burgueses e cristãos, esses honoráveis cientistas querem conciliar o lobo e o cordeiro.

"Crescimento qualitativo" e "desenvolvimento sustentado" (sustainability) devem pôr em consonância dinheiro e natureza sobre o pano de fundo de um mercado global pautado pela "eficiência econômica" e pelo "desafio ecológico". Será esse um objetivo realista ou uma tentativa ingênua de calcular a quadratura do circulo?
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptySeg maio 10, 2010 10:51 pm

A raiz da economia moderna é o dinheiro, a moeda. Mas esta é uma abstração social, pois abstrai de todo conteúdo sensível e qualitativos: US$ 1.000 são uma grandeza abstrata, puramente quantitativa. Já o filósofo Hegel sabia que a moeda representa trabalho-social; mas trabalho em forma abstrata, purificado de sua determinação concreta.

Na relação com a moeda, o trabalho aparece como puro consumo de energia humana abstrata. Hegel falava assim de "trabalho abstrato", uma expressão que seria adotada por Marx. Mas Hegel disse também: "Fazer valer as abstrações no mundo real significa destruir a realidade". À medida que a moeda põe-se a meio caminho entre homem e natureza, esta última é destruída.

A moeda, portanto, também é a raiz da força destrutiva da economia moderna.

Não há dúvida de que a moeda é muito mais antiga do que a sociedade industrial moderna. Mas seu papel foi apenas marginal antes do século 18 (e, em muitos países, até o século 20). A grande maioria dos alimentos era produzida de forma auto-suficiente, sem troca de mercadorias.

Enquanto durou a produção mercantil, a moeda restringiu-se ao papel de intermediária: ela figurava entre duas mercadorias qualitativamente diversas como simples meio de troca. A economia moderna, por sua vez, não é fruto apenas do progresso técnico, como nos querem fazer crer. Muito mais decisiva foi a transformação da moeda, que de um meio passou a ser um fim em si mesma.

Qual o significado disso? Na economia moderna, inverteu-se a relação entre mercadoria e moeda. Não é mais a moeda que figura entre duas mercadorias qualitativamente diversas, mas justamente o contrário: a mercadoria figura no meio de dois modos de manifestação da mesma forma abstrata chamada "moeda". Essa operação só faz sentido, obviamente, se ao final resultar uma soma monetário maior que no início. A moeda tornou-se um "capital produtivo" que multiplica a si mesmo. Ao contrário dos antigos produtores não-comerciais, o objetivo não é a reprodução material da própria vida, mas o acúmulo de ganhos em forma de moeda.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptyTer maio 11, 2010 1:17 pm

Somente por meio dessa nova lógica econômica pôde nascer um mercado totalizado, no qual empresários voltados ao lucro concorrem entre si e no qual todos dependem de sua capacidade de "ganhar dinheiro". A moeda agora está presa a um circuito cibernético fechado sobre si mesmo. Ela se torna independente em seu movimento absurdo como fim último e começa a levar uma vida fantasmagórica.

Assim, o historiador Karl Polanyi chamou a economia de mercado moderna de uma "economia autonomizada" face aos contextos da vida. O próprio socialismo de Estados do Leste e do Sul, com seus "mercados planificados", não foi mais do que um derivado histórico da mesma lógica econômica. Não se pode negar que essa economia historicamente nova acelerou de modo vertiginoso o desenvolvimento das forças produtivas. Mas todos os progressos científicos e tecnológicos têm de submeter-se à forma monetária e são por ela impregnados.

Isso significa que o conteúdo sensível da produção é submetido a um processo econômico puramente quantitativo com uma aparência de lei física. A moeda trabalha como um robô social que não é capaz de diferenciar entre saudável e nocivo, feio e bonito, moral e amoral.

Sob a pressão da concorrência no mercado, o empresário é obrigado a obedecer, em todas as decisões, à racionalidade monetária. Quando se fala de "redução dos custos" e "eficiência", o que está em jogo é apenas o "interesse" abstrato da moeda. Como um neurótico que, possuído por uma idéia fixa, toma sempre o caminho mais curto entre dois pontos, sem levar em conta o prazer ou a dor, assim também o cálculo empresarial exige a abstrata "redução dos custos", sem levar em consideração o conteúdo sensível e as conseqüências naturais.

Embora os empresários falem com insistência de uma melhoria na qualidade, isso se refere sempre ao design do produto isolado, mas nunca ao mundo exterior à empresa. O resultado são "belos" produtos num "meio ambiente" degradado. O próprio conteúdo do produto é muitas vezes mera fachada, a começar pelos alimentos. A indústria alimentícia é ciosa em os compradores com uma suave coerção, de modo a modificar-lhes o olfato e o paladar.

No interesse da "eficiência" econômica e da "simplificação" lucrativa para grandes mercados, já desapareceram em todo mundo milhares de tipos de frutas, legumes e carnes. Nos laboratórios, são cultivados alimentos que podem ser embalados com facilidade e não apodrecem, mas cujo "sabor" é injetado quimicamente. A força da oferta oprime toda a crítica da procura.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptyQua maio 12, 2010 1:25 pm

A parte a crescente destruição do prazer sensível e estético, a "redução dos custos" é na verdade uma simples externalização dos custos face à natureza e ao futuro. Do ponto de vista empresarial, a natureza e o futuro são espaços economicamente vazios para além do cálculo de custos, nos quais os "excrementos da produção" (Marx) desaparecem sem deixar vestígios.

Isso não se aplica apenas à emissão de poluentes pela produção mas também ao transporte. Um mísero frango congelado nos EUA viaja em média 3.000 milhas antes de ser consumido. Se a economia empresarial -em busca de menores custos, menores taxas de câmbio, salários mais baixos e outras vantagens-aufere ganhos no plano monetário, no plano dos recursos naturais ela promove uma orgia de desperdício.

O crescimento exponencial denunciado pelo Clube de Roma também não é um erro casual, mas resultado necessário do sistema de mercado. A moeda, fechada num circuito cibernético, exige o aumento constante da produção. A concorrência exige o aumento permanente da produtividade.

Como desse modo o produto isolado representa cada vez menos moeda, a produção tem que crescer não linearmente, mas em progressão geométrica. E como nessa dinâmica os investimentos seguem os sinais abstratos da rentabilidade, a opção de um "desenvolvimento sustentado" -qualitativamente definido dentro da economia de mercado- é uma ilusão. A produção de bens qualitativamente mais significativos ou mesmo de primeira necessidade é automaticamente posta de lado quando deixa de ser rentável em termos monetários; por sua vez, o capital é rápido ao apoiar projetos destrutivos, se estes acenam com lucros generosos.

Dessa maneira, a vida social assume um caráter auto-destrutivo. Se é fato que o aumento da produtividade expande o desemprego, é preciso que os mais ricos consumam com uma avidez cada vez maior para permitir o funcionamento do sistema. Por meio do "desgaste programado", a vida dos produtos é encurtada, e simultaneamente a indústria inventa novas necessidades grotescas e pueris. De um lado, crianças que pedem esmola; de ouro, loucos que se consomem até a morte.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptyQui maio 13, 2010 12:02 pm

A indústria moderna matou mais crianças que o rei Herodes, mas sempre pôde lavar as mãos e remeter-se às taciturnas leis monetárias. Tampouco os assalariados questionam-se sobre o produto de seu trabalho, já que se encontram sob total dependência de seus empregos.

O sistema monetário é responsável por uma esquizofrenia estrutural: todos sabem que sua ação é destrutiva, mas todos mantêm os olhos vidrados nos rendimentos, assim como o coelho na serpente. Por que a opinião pública mostra-se tão indignada com os voluntários suicidas do Hamas, se ela aceita de bom grado o programa suicida global da economia de mercado?


É um tanto crédulo nutrir esperanças de que a política acorrente o lobo do mercado. Um imposto ecológico eficaz é improvável, pois o Estado é nacional, mas a concorrência, internacional. Países com pequeno importe de capital só conseguem concorrer sob as condições da globalização por meio de dumpings ecológicos.

Eis por que o moralismo econômico de países ricos em relação ao Terceiro Mundo é uma hipocrisia. O problema reside na própria economia moderna. A política é sempre cúmplice do dinheiro, já que não possui renda própria. Mesmo o poder precisa ser financiado. Eis por que as aparentes potências dependem do crescimento exponencial da "economia autonomizada".

Ao que tudo indica, há somente uma única solução radical: a humanidade deve libertar-se do domínio monetário que se tornou independente. Com certeza, um retorno à sociedade agrária pré-moderna não é possível nem desejável. Mas talvez outras formas de cooperação sejam viáveis. Podem as organizações sem fins lucrativos tomar o lugar da economia empresarial? Os economistas dizem que isso é utópico e pouco realista. Eles temem pela depreciação de sua absurda qualificação.

Ora, pois então a própria sobrevivência da humanidade é utópica e pouco realista. Há somente um consolo: tampouco os mandarins plutocratas serão poupados da destruição da natureza. Já posso imaginar que, num futuro próximo, os últimos ricos sentarão na varanda de suas luxuosas casas de campo, com máscaras de gás encobrindo seus rostos diplomáticos, e sorverão de garrafas folheadas a ouro, com auxílio de canudos, as últimas gotas de água potável.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptySex maio 14, 2010 4:20 pm

O Torpor do Capitalismo

Chega ao fim o mito da expansão ilimitada do mercado

Há uma concepção ingénua, porém sensata, sobre a produtividade: quanto mais ela cresce, assim pensa o bom raciocínio humano, mais alívio traz à vida em comum. A maior produtividade permite mais bens com menos trabalho. Não é maravilhoso? Em nossa época, no entanto, parece que o aumento da produtividade, além de criar uma quantidade exagerada de bens, resultou numa avalanche de desemprego e de miséria.

Desde o final dos anos 70, os sociólogos costumam falar de um desemprego tecnológico ou "estrutural". Isso significa que o desemprego desenvolve-se com independência dos movimentos conjunturais da economia e cresce até mesmo em períodos de surto financeiro. Nos anos 80 e 90, a base desse desemprego estrutural, de ciclo para ciclo, tornou-se cada vez maior em quase todos os países; em 1995, segundo números da Organização Internacional do Trabalho, 30% da população economicamente ativa de todo o mundo não possuía emprego estável.

Essa triste realidade, além de incompatível com o bom raciocínio humano, suscitou uma curiosa reação dos economistas. Os doutores em ciências econômicas agem como se o fenômeno irracional do desemprego em massa não tenha absolutamente nada a ver com as leis da economia moderna; as causas, segundo eles, devem ser buscadas em fatores alheios à economia, sobretudo na política financeira equivocada dos governos.

Ao mesmo tempo, porém, os mesmos economistas afirmam que o aumento da produtividade não diminui o número de empregos, mas é responsável, ao contrário, pelo seu crescimento. Isso foi comprovado pela história da modernidade. O que para o observador imparcial se assemelha à causa da doença, deve assim integrar a própria receita para a cura. Os economistas operam com uma equação que mais parece um sofisma. Onde está o erro?

Um axioma da teoria econômica afirma que o objetivo da produção é suprir a falta de bens da população. Ora, isso é uma pura banalidade. Todos sabem que o objetivo da produção moderna é originar um lucro privado. A venda dos bens produzidos deve render mais dinheiro do que o custo de sua produção. Qual a relação interna entre esses dois objetivos? Os economistas dizem que o segundo objetivo é apenas um meio (na verdade o melhor meio) de atingir a primeira meta. E, no entanto, é evidente que ambos objetivos não são idênticos: o primeiro refere-se à economia como um todo, o segundo à economia das empresas. Disso resultam contradições que, desde seu início, tornaram instável o sistema econômico moderno.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptySáb maio 15, 2010 11:12 am

A idéia tão natural de que o aumento da produtividade facilita a vida dos homens não leva em conta a racionalidade das empresas. Na verdade, trata-se de saber qual será o uso de uma maior capacidade produtiva. Se a produção visa a suprir as próprias necessidades, a evolução dos métodos e dos meios será utilizada simplesmente para trabalhar menos e desfrutar do maior tempo livre.

Um produtor de bens para o mercado, no entanto, pode ter a brilhante idéia de trabalhar tanto quanto agora e utilizar a produtividade adicional para produzir uma quantidade ainda maior de mercadorias, a fim de ganhar mais dinheiro em vez de aproveitar o ócio. Um administrador de empresas é mesmo forçado a chegar a essa idéia, pois de nada lhe serve que os assalariados conquistem um maior espaço de tempo livre. Para ele, a produtividade adicional representa de qualquer modo um trunfo contra a concorrência, sendo revertida em benefício da diminuição dos custos da empresa, e não em favor da maior comodidade dos produtores.

É por isso que, na história econômica moderna, a jornada de trabalho diminuiu numa proporção muito menor do que o aumento correspondente de produtividade. Hoje em dia, os assalariados ainda trabalham mais e durante mais tempo do que os camponeses da Idade Média.

A diminuição dos custos, portanto, não significa que os trabalhadores trabalham menos mantendo a mesma produção, mas que menos trabalhadores produzem mais produtos. O aumento da produtividade reparte seus frutos de forma extremamente desigual: enquanto trabalhadores "supérfluos" são demitidos, crescem os lucros dos empresários. Mas, se todas as empresas entrarem nesse processo, há a ameaça de surgir um efeito com que não contavam os interesses obtusos da economia empresarial: com o crescente desemprego, diminui o poder de compra da sociedade. Quem comprará então a quantidade cada vez maior de mercadorias?

As guildas dos artesãos da Idade Média pressentiram esse perigo. Para elas era um pecado e um crime fazer concorrência aos colegas por meio do aumento de produtividade e tentar conduzí-los a todo custo à ruína. Os métodos de produção eram por isso rigidamente fixados, e ninguém os podia modificar sem o consentimento das guildas. O que impedia um desenvolvimento tecnológico era menos a incapacidade técnica do que essa organização social estática dos artesãos. Estes não produziam para um mercado no sentido moderno, mas para um mercado regional limitado, livre de concorrência. Essa ordem de produção durou mais tempo do que geralmente se supõe. Em grande parte da Alemanha, a introdução de máquinas foi proibida pela polícia até meados do século 18.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptyDom maio 16, 2010 8:41 pm

A Inglaterra, como se sabe, foi a primeira a derrubar tal proibição. O caminho, assim, ficou livre para as invenções técnicas como o tear mecânico e a máquina a vapor, os dois motores da industrialização. E, súbito, irrompeu a temida catástrofe social: em toda a Europa, na passagem do século 18 para o 19, alastrou-se o primeiro desemprego tecnológico em massa.

Tudo isso é passado, dizem os economistas: a evolução posterior não demonstrou que os temores eram infundados? De fato, apesar da expansão contínua das novas forças produtivas do ramo industrial, o desemprego tecnológico caiu rapidamente. Mas por que motivo? Acossados pela concorrência recíproca, os industriais foram obrigados a restituir aos consumidores parte de seus ganhos com a produção. As máquinas tornaram os produtos essencialmente mais baratos ao consumidor.

Embora para a produção de uma certa quantidade de produtos têxteis fosse necessária uma força de trabalho menor do que antes, a demanda por roupas e tecidos baratos cresceu tanto que, ao contrário das expectativas, um número considerável de trabalhadores foi empregado nas novas indústrias.

Com isso, porém, o problema não foi solucionado pela raiz. Todo mercado, a seu tempo, atinge um limite de saturação que o torna incapaz de conquistar novas camadas de consumidores. Somente numa certa fase da evolução o aumento da produtividade conduz à criação de mais empregos para a sociedade, apesar da menor quantidade de trabalho necessária para a confecção de cada produto.

Nessa fase, os métodos desenvolvidos barateiam o produto e o preparam ao grande consumo das massas. Antes de alcançar esse estágio, o aumento de produtividade lança o antigo modo de produção numa profunda crise, como mostra o exemplo dos artesãos têxteis no século 19. Na outra ponta do desenvolvimento, a crise é igualmente uma ameaça (com base na própria produção industrial), quando o estágio de expansão é ultrapassado e os mercados periféricos encontram-se saturados.

Mas essa mesma expansão ainda pode ser transferida a outros setores. Ao longo do século 19, os antigos redutos artesanais foram progressivamente industrializados. Cada vez mais produtos tiveram seus preços reduzidos e permitiram a explosão do mercado. O processo sofreu uma tal aceleração que os artesãos "supérfluos" eram imediatamente absorvidos pelo trabalho industrial, evitando assim que se repetisse a grande crise social dos antigos produtores têxteis.

As crises, mesmo que inevitáveis, pareciam somente transições dolorosas para se atingir novos patamares de prosperidade. Mas o que ocorre quando todos os ramos da produção já estão industrializados e todos os limites de expansão do mercado já foram alcançados?
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptySeg maio 17, 2010 1:25 pm

O desenvolvimento econômico parecia refutar também esse receio. A indústria não apenas absorveu os antigos ramos da produção artesanal, mas também criou a partir de si misma novos setores produtivos, inventou produtos jamais imaginados e infundiu a sede de compra nos consumidores. O processo de aumento da produtividade, expansão e saturação dos mercados, criação de novas necessidades e nova expansão parecia não ter limites.

Economistas como Joseph Schumpeter e Nikolai Kondratieff formularam, a partir dessas idéias, a teoria dos chamados "grandes ciclos" no desenvolvimento da economia moderna. Segundo essa teoria, uma certa combinação de indústrias sempre atinge seu limite histórico de saturação, envelhece e começa a encolher, após uma fase de expansão impetuosa. Empresários inovadores, na condição de "destruidores criativos" (Schumpeter), inventam todavia novos produtos, novos métodos e novas indústrias que libertam o capital dos antigos investimentos estagnados e lhes dá novo alento num corpo tecnológico renovado.

O exemplo lapidar desse nascimento de um novo ciclo é a indústria automobilística. Em 1886, o engenheiro alemão Carl Benz já tinha construído o primeiro carro; mas até a Primeira Guerra Mundial, tal mercadoria permaneceu um produto de luxo extremamente caro. Como que egresso das páginas do livro-texto de Schumpeter, surgiu então o empresário inovador Henry Ford. Sua criação não foi o próprio automóvel, mas um novo método de produção.

No século 19, a produtividade cresceu sobretudo pelo fato de os ramos artesanais terem sido industrializados por meio da instalação de máquinas. A organização interna da própria indústria ainda não fora objeto de grandes cuidados. Só após 1900 o engenheiro norte-americano Frederick Taylor desenvolveu um sistema de "administração científica", a fim de desmembrar as áreas de trabalho específicas e aumentar a produção.


Ford descubriu por meio desse sistema reservas insuspeitas de produtividade na organização do processo produtivo. Observou, por exemplo, que um operário da linha de montagem perdia em média muito tempo ao buscar parafusos. Estes foram então transportados diretamente ao local de trabalho. Parte do processo tornou-se "supérfluo" e, logo em seguida, foi introduzida a esteira rolante.

Os resultados foram surpreendentes. Até a Primeira Guerra, a capacidade produtiva de uma fábrica de automóveis de porte médio permanecia em torno dos 10 mil carros por ano; em Detroit, a nova fábrica de Ford produziu, no exercício financeiro de 1914, a fantástica cifra de 248 mil unidades do seu célebre "Modell T". Os novos métodos deflagraram uma nova revolução industrial. Mas tal revolução "fordista" ocorreu tarde demais para poder evitar a crise econômica mundial (1929-33), desencadeada pelos custos da guerra e pelo declínio global do comércio.
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MensagemAssunto: Re: ROBERT KURTZ - Pensamento e obras   ROBERT KURTZ - Pensamento e obras EmptyTer maio 18, 2010 1:13 pm

Depois de 1945, porém, sobreveio o "grande ciclo" da produção industrial de automóveis, aparelhos domésticos, divertimentos eletrônicos etc. Baseado no antigo modelo, só que agora em dimensões muito maiores, o aumento da produtividade criou um número espantoso de novos empregos, já que a expansão do mercado de carros, geladeiras, televisões etc, exigia, em termos absolutos, mais trabalho do que os métodos "fordistas", em termos relativos, economizavam em cada produto.

Nos anos 70, as indústrias fordistas atingiram seu nível histórico de saturação. Desde então vivemos a terceira revolução industrial, da microeletrônica. Cheio de esperanças, alguém se lembrou imediatamente de Schumpeter. De fato, os novos produtos passaram por um processo semelhante de barateamento, à maneira dos automóveis e das geladeiras: o computador, antes um aparelho caro e destinado a grandes empresas, transformou-se rapidamente num produto de consumo das massas. Desta vez, porém, o surto econômico não causou o correspondente aumento de empregos.

Pela primeira vez na história da modernidade, uma nova tecnologia é capaz de economizar mais trabalho, em termos absolutos, do que o necessário para a expansão dos mercados de novos produtos. Na terceira revolução industrial, a capacidade de racionalização é maior do que a capacidade de expansão. A eficácia de uma fase expansiva, criadora de empregos, deixou de existir. O desemprego tecnológico da antiga história da industrialização faz seu retorno triunfal, só que agora não se limita a um ramo da produção, mas se espalha por todas as indústrias, por todo o planeta.

O próprio interesse econômico das empresas conduz ao absurdo. Já é tempo, depois de 200 anos de era moderna, que o aumento da produtividade sirva para trabalhar menos e viver melhor. O sistema de mercado, porém, não foi feito para isso. Sua ação restringe-se a transformar o excedente produtivo em mais produção e, portanto, em mais desemprego. Os economistas não querem compreender que a terceira revolução industrial possui uma qualidade nova, em cujo meio a teoria de Schumpeter não é mais válida. Em vão, eles ainda esperam o "grande ciclo" da microeletrônica - em vão, ainda esperam Godot.
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