| | FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA | |
| | Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qui Set 23, 2010 5:01 pm | |
| Fernando Assis Pacheco nasceu em Coimbra no dia 1 de Fevereiro de 1937.
Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, foi poeta, ficcionista, jornalista e crítico. O avô paterno foi redactor da revista Vértice, circunstância que lhe permitiu privar de perto com Joaquim Namorado e outros poetas da sua geração como Manuel Alegre e José Carlos de Vasconcelos.
Publicou o primeiro livro de poesia em Coimbra, em 1963: “Cuidar dos Vivos”, poesia de intervenção política, de luta contra a guerra colonial. O seu segundo livro de poesia “Câu Kiên: Um Resumo” (título vietnamita para escapar à censura fascista), foi publicado em 1972, mas conheceria a sua versão definitiva em “Katalabanza, Kiolo e Volta”, em 1976. No mesmo ano publicou “Siquer este refúgio”, também de poesia.
Em 1978 publicou o livro de novelas “Walt ou o frio e o quente” e em 1980 “Memórias do Contencioso e outros poemas” que reuniu poemas publicados entre 1972 e 1980.
Em 1987, mais um livro de poesia: “Variações em Sousa”. E outro em 1991: “A Musa Irregular”, onde reuniu toda a sua produção de poeta até esta data.
Estreou-se no romance com “Trabalhos e paixões de Benito Prada: galego da província de Ourense, que veio a Portugal ganhar a vida” em 1993.
Morreu em Lisboa, com 58 anos, à porta da Livraria Bucholz em 1995.
Em 2001 as Edições Asa publicaram “Retratos falados”, em 2003 a Assírio & Alvim publicou “Respiração assistida” com organização de Abel Barros Baptista e Posfácio de Manuel Gusmão (alguns dos poemas deste livro eram inéditos e estavam numa pasta em que Fernando Assis Pacheco reunia a produção para o livro que pretendia publicar depois da saída de "A Musa Irregular") e em 2005 a Assírio & Alvim publicou “Memórias de um craque” (colectânea de textos sobre futebol).
Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo. Deixou a sua marca no Diário de Lisboa, na República e no JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias. Foi chefe de Redacção de O Jornal, semanário onde durante dez anos exerceu crítica literária. Colaborou também no República, n'O Jornal, no Se7e e na revista Visão. Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel Garcia Marquez. | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qui Set 23, 2010 5:03 pm | |
| Seria o Amor Português
Muitas vezes te esperei, perdi a conta, longas manhãs te esperei tremendo no patamar dos olhos. Que me importa que batam à porta, façam chegar jornais, ou cartas, de amizade um pouco - tanto pó sobre os móveis tua ausência.
Se não és tu, que me pode importar? Alguém bate, insiste através da madeira, que me importa que batam à porta, a solidão é uma espinha insidiosamente alojada na garganta. Um pássaro morto no jardim com neve.
Nada me importa; mas tu enfim me importas. Importa, por exemplo, no sedoso cabelo poisar estes lábios aflitos. Por exemplo: destruir o silêncio. Abrir certas eclusas, chover em certos campos. Importa saber da importância que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo. "Que me importa que batam à porta..." Sair de trás da própria porta, buscar no amor a reconciliação com o mundo.
Longas manhãs te esperei, perdi a conta. Ainda bem que esperei longas manhãs e lhes perdi a conta, pois é como se no dia em que eu abrir a porta do teu amor tudo seja novo, um homem uma mulher juntos pelas formosas inexplicáveis circunstâncias da vida.
Que me importa, agora que me importas, que batam, se não és tu, à porta.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Sex Set 24, 2010 12:18 pm | |
| ACONSELHO-VOS O AMOR
Aconselho-vos o amor: o equilíbrio dos contrários. Aconselho-vos o amor cheio de força; os moinhos girando ao vento desbridado. Aconselho-vos a liberdade do amor (que logo passa - vão dizer-vos que não - para os gestos diários).
ACONSELHO-VOS A LUTA.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Seg Set 27, 2010 1:41 pm | |
| SEM QUE SOUBESSES
Falei de ti com as palavras mais limpas, viajei, sem que soubesses, no teu interior. Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres, tropeçavas em mim e eu era uma sombra ali posta para não reparares em mim.
Andei pelas praças anunciando o teu nome, chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada. Em tudo o mais usei da parcimónia a que me forçava aquele ardor exclusivo.
Hoje os versos são para entenderes. Reparto contigo um óleo inesgotável que trouxe escondido aceso na minha lâmpada brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Ter Set 28, 2010 12:02 pm | |
| UM CAMPO BATIDO PELA BRISA
Há dias em que a tua nudez é como um barco subitamente entrado pela barra. Como um temporal. Ou como certas palavras não inventadas, certas posições na guitarra que o tocador não conhecia.
A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo para um lado misterioso e frágil. Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe contorno, peso. Destrói o meu corpo. A tua nudez é uma violência suave, um campo batido pela brisa no mês de Janeiro quando sobem as flores pelo ventre da terra fecundada.
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas com o vocabulário da tua nudez. Tenho um «pensamento despido»; maturação; altas combustões. De mão dada contigo entro por mim dentro como em outros tempos na piscina os leprosos cheios de esperança. E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete que lanço com mão tremente desastrada para rebentar e encher a minha carne de transparência.
Sete dias ao longo da semana trinta dias enquanto dura um mês eu ando corajoso e sem disfarce, iluminado, certo, harmonioso. E outras vezes sucede que estou: inquieto. Frágil. Violentado.
Para que eu me construa de novo a tua nudez bascula-me os alicerces.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qua Set 29, 2010 1:02 pm | |
| COM A TUA LETRA
Porque eu amo-te, quer dizer, eu estou atento às coisas regulares e irregulares do mundo. Ou também: eu envio o amor sob a forma de muitos olhos e ouvidos a explorar, a conhecer o mundo.
Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo da escuridão do mundo. Porque tudo se escreve com a tua letra.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qui Set 30, 2010 12:43 pm | |
| A Profissão Dominante
Meu Deus como eu sou paraliterário à quinta-feira véspera do jornal nadando em papel como num aquário ejectando a minha bolha pontual
de prosa tirada do receituário onde aprendi o cozido nacional do boçal fingido o lapidário - fora algum deslize gramatical -
receio que me chamem extraordinário quando esta é uma prática trivial roçando mesmo o parasitário meu Deus dá-me a tua ajuda semanal
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Sex Out 01, 2010 12:32 pm | |
| E havia outono?
Havia o que não esperas: árvores, altas árvores de coração amargo, e o vendo rodopia e leva a folhas cegas por sobre a cabeça do homem. Havia um coto em sangue.
Não morreremos nunca, diziam. O beiço canta, a lenha queima junto à pista. Não morreremos nunca, diziam. para nascer dez vezes, não morreremos nunca, diziam.
Aquele que trouxe uma tíbia da Quitilene envernizou-a depois em silêncio. Havia o que não esperas: horas, minutos como horas para mastigar o assustado pelas trevas da mata.
E as mina os fornilhos as armadilhas com trotil ah não vou contar-te um décimo desta libertinagem. Há súbitos rios, cândidos arbustos pendentes que a cigarra desperta ao meio-dia. Morreremos dez vezes, diziam, para nascer dez vezes, diziam, não morreremos nunca.
Aquele que se enche de vinho tinha as palavras presas na boca por cabelos finíssimos. Adormecia voltado para dentro, ignorante e trêmulo, espantado da queda de grandes rochas no ouvido.
Havia o que não esperas: risos, lágrimas como risos, lágrimas como folhas cegas, explodindo ao de leve; e a morte
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Seg Out 04, 2010 12:35 pm | |
| Toada em “A”
Vejo no espelho a minha assustada fealdade.
Nada posso contra deuses fabulosos.
Depois do capim, depois da poeira assalta-me a imagem terna deste rosto em pedaços.
Ó longa viagem pela picada de Zela - o náufrago apega-se a uma tábua, um cheiro de praias na distância, vence denodadamente os últimos metros. Quereria beber a água que falta.
Aos amigos de tanta solidão não suspeitastes nunca.
Ah derreter, dos ombros para cima derreter a ossatura tenebrosa!
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qua Out 06, 2010 4:43 pm | |
| Queria eu dizer...
Queria eu dizer que muitos tiros ouvidos, muitos medos, que muitos lumes acesos entram também neste saco.
Que arrasto o quê, me arrasto, ínfimo caracol da mata talvez útil mas só no dia em que nele tropeçardes.
Escrevo Zala, Nambuangongo, e penso: é um grito alto. Queria eu dizer que há coisas com que vos não maçais.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qui Out 07, 2010 12:16 pm | |
| Um vento leve, uma espuma Do beijo fica um sabor, do sabor uma lembrança, um vento leve, uma espuma.
Do beijo fica um sereno olhar, o amor de coisas minúsculas e humildes, um pássaro que vai e vem da nossa boca às palavras. Do beijo fica, suprema, a descoberta da morte. Um vento leve, uma espuma salgada, à flor dos lábios.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Sex Out 08, 2010 12:42 pm | |
| MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO
Mas não puxei atrás a culatra, não limpei o óleo do cano, dizem que a guerra mata: a minha desfez-me logo à chegada.
Não houve pois cercos, balas que demovessem este forçado. Viram-no à mesa com grandes livros, com grandes copos, grandes mãos aterradas.
Viram-no mijar à noite nas tábuas ou nas poucas ervas meio rapadas. Olhar os morros, como se entendesse o seu torpor de terra plácida.
Folheando uns papeis que sobraram lembra-se agora de haver muito frio. Dizem que a guerra passa: esta minha passou-me para os ossos e não sai.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Seg Out 11, 2010 12:22 pm | |
| A MISSÃO DOS SETENTA E DOIS
(1)
E depois disto designou o comandante ainda outros setenta e dois e mandou-os em fila adiante de si por todos os matos e morros aonde ele devera ter ido. E dizia-lhes: grande é na verdade a guerra, poucos os homens. Rogai pois ao dono da guerra que mande homens para a sua (dele dono) guerra. Ide, e olhai, que eu vos mando como lobos entre cordeiros.
Levai bornal, cantil, calçado de lona e a ninguém saudeis senão com fogo pelo caminho. Na cabana aonde entrardes dizei primeiro do que tudo: guerra seja nesta casa; e se ali houver algum filho da guerra descerá sobre ele a vossa guerra; porque senão a guerra, a guerra, a guerra vos enganará.
(2)
Voltaram mais tarde os setenta e dois muito alegres dizendo: senhor, até mesmo os demónios se nos submetem em virtude do teu nome. E o comandante lhes volveu: eu via cair do céu a Satanás, como um relâmpago. Dei-vos então o poder de pisardes serpentes, e escorpiões, e toda a força do inimigo; e nada vos fará dano.
(3)
Digo-vos que naquele dia haverá menos rigor para Sodoma do que para tal povo. E tu, Quinguengo, que te elevaste até ao alto da mata - serás submergida até ao inferno. Pois eu vos afirmo que foram muitos os profetas e reis que desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e que desejaram ouvir o que vós ouvis e não o ouviram. Os PV-2 acertam sempre.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Ter Out 12, 2010 5:13 pm | |
| CAMIONETA VERMELHA
Se há lugar na vossa geografia para um friável coração de adobe digo-vos que não trouxe muito mais dos tiros da Camioneta Vermelha.
A coluna de Zala vinha vindo tarda como sempre e não se ouviram durante muitas horas os motores nesse alto da Camioneta Vermelha.
A gente deitava-se nos abrigos, deitava-se no silêncio e respondia somente alguma grita de macacos ali perto da Camioneta Vermelha.
Por ironia, eu estava lendo um romance de Cardoso Pires ou talvez poemas de Ruy Belo sobre a cidade na Camioneta Vermelha.
Digo-vos que não trouxe muito mais dos tiros cruzados de arma fina quando o adobe começou a estalar no meu peito na Camioneta Vermelha.
Queria contar tanta coisa veloz então acontecida mas não posso recordar senão esse estampido caindo súbito na Camioneta Vermelha.
Sou um desgraçado poeta da província com um rio que no Verão é areia, algumas casas, algumas flores belíssimas despropositadas na Camioneta Vermelha.
O meu modo é cantar e eu canto mesmo que apeteça mandar um balázio no peito de adobe, o mesmo peito que estremecia na Camioneta Vermelha.
Por isso aqui estou eu para nuns versos dizer que o mundo acaba e não acaba quando a massa de um coração frágil lembra a cidade entrevista ao longe
longe do alto da Camioneta Vermelha.
(Fernando Assis Pacheco) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA Qua Out 13, 2010 2:17 pm | |
| Ode ao librium dez
Embora química a tua é realmente uma paz para duas longas horas, paz sentada, na varanda, folheando jornais, lendo só os títulos (o novo papa recebe),
uma paz assim fresca, sem grandes gestos escusados, diria uma paz no duche, ou depois à mesa comendo a sopa leve, o bife grelhado com pouco sal,
paz da papaia doce, gotas de limão, paz de um copo de água, uma brisa ténue arrepiando quase nada os pêlos das pernas, encrespando-os quase nada
e isto é o repouso, a mansidão tranquila, o descanso, a quietude, a serenidade, o feltro, a pele bem curtida tocada do avesso, a aldeia pequena, a caruma, o cheiro dos medronhos maduros,
rolas que então vinham beber aos poços, assobios de melros pela manhã, escondidos nos juncais, furtivas carreiras de coelhos, milho na eira ao sol, pão cozendo no forno, fumo vago e alegre,
paz do fumo, paz terna, por duas horas, por um homem que se entrega duas horas, que se entrega, que se entrega na varanda ao librium, que se entrega.
(Fernando Assis Pacheco) | |
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