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 FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA

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MensagemAssunto: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQui Set 23, 2010 5:01 pm

Fernando Assis Pacheco nasceu em Coimbra no dia 1 de Fevereiro de 1937.

Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, foi poeta, ficcionista, jornalista e crítico. O avô paterno foi redactor da revista Vértice, circunstância que lhe permitiu privar de perto com Joaquim Namorado e outros poetas da sua geração como Manuel Alegre e José Carlos de Vasconcelos.

Publicou o primeiro livro de poesia em Coimbra, em 1963: “Cuidar dos Vivos”, poesia de intervenção política, de luta contra a guerra colonial. O seu segundo livro de poesia “Câu Kiên: Um Resumo” (título vietnamita para escapar à censura fascista), foi publicado em 1972, mas conheceria a sua versão definitiva em “Katalabanza, Kiolo e Volta”, em 1976. No mesmo ano publicou “Siquer este refúgio”, também de poesia.

Em 1978 publicou o livro de novelas “Walt ou o frio e o quente” e em 1980 “Memórias do Contencioso e outros poemas” que reuniu poemas publicados entre 1972 e 1980.

Em 1987, mais um livro de poesia: “Variações em Sousa”. E outro em 1991: “A Musa Irregular”, onde reuniu toda a sua produção de poeta até esta data.

Estreou-se no romance com “Trabalhos e paixões de Benito Prada: galego da província de Ourense, que veio a Portugal ganhar a vida” em 1993.

Morreu em Lisboa, com 58 anos, à porta da Livraria Bucholz em 1995.

Em 2001 as Edições Asa publicaram “Retratos falados”, em 2003 a Assírio & Alvim publicou “Respiração assistida” com organização de Abel Barros Baptista e Posfácio de Manuel Gusmão (alguns dos poemas deste livro eram inéditos e estavam numa pasta em que Fernando Assis Pacheco reunia a produção para o livro que pretendia publicar depois da saída de "A Musa Irregular") e em 2005 a Assírio & Alvim publicou “Memórias de um craque” (colectânea de textos sobre futebol).

Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo. Deixou a sua marca no Diário de Lisboa, na República e no JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias. Foi chefe de Redacção de O Jornal, semanário onde durante dez anos exerceu crítica literária. Colaborou também no República, n'O Jornal, no Se7e e na revista Visão. Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel Garcia Marquez.
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQui Set 23, 2010 5:03 pm

Seria o Amor Português

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.

Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
"Que me importa que batam à porta..."
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptySex Set 24, 2010 12:18 pm

ACONSELHO-VOS O AMOR

Aconselho-vos o amor:
o equilíbrio dos contrários.
Aconselho-vos o amor cheio de força;
os moinhos girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
- vão dizer-vos que não -
para os gestos diários).

ACONSELHO-VOS A LUTA.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptySeg Set 27, 2010 1:41 pm

SEM QUE SOUBESSES

Falei de ti com as palavras mais limpas,
viajei, sem que soubesses, no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.

Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.

Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyTer Set 28, 2010 12:02 pm

UM CAMPO BATIDO PELA BRISA

Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho um «pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.

Sete dias ao longo da semana
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
iluminado, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.

Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQua Set 29, 2010 1:02 pm

COM A TUA LETRA

Porque eu amo-te, quer dizer, eu estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQui Set 30, 2010 12:43 pm

A Profissão Dominante

Meu Deus como eu sou paraliterário
à quinta-feira véspera do jornal
nadando em papel como num aquário
ejectando a minha bolha pontual

de prosa tirada do receituário
onde aprendi o cozido nacional
do boçal fingido o lapidário
- fora algum deslize gramatical -

receio que me chamem extraordinário
quando esta é uma prática trivial
roçando mesmo o parasitário
meu Deus dá-me a tua ajuda semanal

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptySex Out 01, 2010 12:32 pm

E havia outono?

Havia o que não esperas: árvores,
altas árvores de coração amargo,
e o vendo rodopia e leva
a folhas cegas
por sobre a cabeça do homem.
Havia um coto em sangue.

Não morreremos nunca, diziam.
O beiço canta, a lenha queima
junto à pista.
Não morreremos nunca, diziam.
para nascer dez vezes,
não morreremos nunca,
diziam.

Aquele que trouxe uma tíbia da Quitilene
envernizou-a depois em silêncio.
Havia o que não esperas: horas,
minutos como horas
para mastigar o assustado
pelas trevas da mata.

E as mina
os fornilhos
as armadilhas com trotil
ah não vou contar-te um décimo
desta libertinagem.
Há súbitos rios, cândidos
arbustos pendentes
que a cigarra desperta ao meio-dia.
Morreremos dez vezes, diziam,
para nascer dez vezes, diziam,
não morreremos nunca.

Aquele que se enche de vinho
tinha as palavras presas
na boca por cabelos finíssimos.
Adormecia voltado para dentro,
ignorante e trêmulo,
espantado da queda
de grandes rochas no ouvido.

Havia o que não esperas: risos,
lágrimas como risos,
lágrimas
como folhas cegas,
explodindo ao de leve;
e a morte

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptySeg Out 04, 2010 12:35 pm

Toada em “A”

Vejo no espelho a minha assustada fealdade.

Nada posso contra deuses fabulosos.

Depois do capim, depois da poeira assalta-me
a imagem terna deste rosto em pedaços.

Ó longa viagem pela picada de Zela - o náufrago
apega-se a uma tábua, um cheiro
de praias na distância,
vence denodadamente os últimos metros.
Quereria beber a água que falta.

Aos amigos de tanta solidão
não suspeitastes nunca.

Ah derreter,
dos ombros para cima derreter
a ossatura tenebrosa!

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQua Out 06, 2010 4:43 pm

Queria eu dizer...

Queria eu dizer que muitos
tiros ouvidos, muitos medos,
que muitos lumes acesos
entram também neste saco.

Que arrasto o quê, me arrasto,
ínfimo caracol da mata
talvez útil mas só no dia
em que nele tropeçardes.

Escrevo Zala, Nambuangongo,
e penso: é um grito alto.
Queria eu dizer que há coisas
com que vos não maçais.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQui Out 07, 2010 12:16 pm

Um vento leve, uma espuma

Do beijo fica um sabor,
do sabor uma lembrança,
um vento leve, uma espuma.

Do beijo fica um sereno
olhar, o amor de coisas
minúsculas e humildes,
um pássaro que vai e vem
da nossa boca às palavras.
Do beijo fica, suprema,
a descoberta da morte.
Um vento leve, uma espuma
salgada, à flor dos lábios.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptySex Out 08, 2010 12:42 pm

MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO

Mas não puxei atrás a culatra,
não limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.

Não houve pois cercos, balas
que demovessem este forçado.
Viram-no à mesa com grandes livros,
com grandes copos, grandes mãos aterradas.

Viram-no mijar à noite nas tábuas
ou nas poucas ervas meio rapadas.
Olhar os morros, como se entendesse
o seu torpor de terra plácida.

Folheando uns papeis que sobraram
lembra-se agora de haver muito frio.
Dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptySeg Out 11, 2010 12:22 pm

A MISSÃO DOS SETENTA E DOIS

(1)

E depois disto designou o comandante
ainda outros setenta e dois e mandou-os
em fila adiante de si
por todos os matos e morros
aonde ele devera ter ido.
E dizia-lhes: grande é na verdade
a guerra, poucos os homens.
Rogai pois ao dono da guerra
que mande homens
para a sua (dele dono) guerra.
Ide, e olhai, que eu vos mando
como lobos entre cordeiros.

Levai bornal, cantil, calçado
de lona e a ninguém saudeis
senão com fogo pelo caminho.
Na cabana aonde entrardes
dizei primeiro do que tudo:
guerra seja nesta casa;
e se ali houver algum
filho da guerra descerá
sobre ele a vossa guerra;
porque senão a guerra, a guerra, a guerra
vos enganará.

(2)

Voltaram mais tarde os setenta e dois
muito alegres
dizendo: senhor, até mesmo
os demónios se nos submetem
em virtude do teu nome.
E o comandante lhes volveu:
eu via cair do céu
a Satanás, como um relâmpago.
Dei-vos então o poder
de pisardes serpentes, e escorpiões,
e toda a força do inimigo;
e nada vos fará dano.

(3)

Digo-vos que naquele dia
haverá menos rigor para Sodoma
do que para tal povo.
E tu, Quinguengo, que te elevaste
até ao alto da mata
- serás submergida até ao inferno.
Pois eu vos afirmo que foram
muitos os profetas e reis
que desejaram ver o que vós vedes, e não o viram;
e que desejaram ouvir o que vós ouvis
e não o ouviram.
Os PV-2 acertam sempre.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyTer Out 12, 2010 5:13 pm

CAMIONETA VERMELHA

Se há lugar na vossa geografia
para um friável coração de adobe
digo-vos que não trouxe muito mais
dos tiros da Camioneta Vermelha.

A coluna de Zala vinha vindo
tarda como sempre e não se ouviram
durante muitas horas os motores
nesse alto da Camioneta Vermelha.

A gente deitava-se nos abrigos,
deitava-se no silêncio e respondia
somente alguma grita de macacos
ali perto da Camioneta Vermelha.

Por ironia, eu estava lendo
um romance de Cardoso Pires
ou talvez poemas de Ruy Belo
sobre a cidade na Camioneta Vermelha.

Digo-vos que não trouxe muito mais
dos tiros cruzados de arma fina
quando o adobe começou a estalar
no meu peito na Camioneta Vermelha.

Queria contar tanta coisa veloz
então acontecida mas não posso
recordar senão esse estampido
caindo súbito na Camioneta Vermelha.

Sou um desgraçado poeta da província
com um rio que no Verão é areia,
algumas casas, algumas flores belíssimas
despropositadas na Camioneta Vermelha.

O meu modo é cantar e eu canto
mesmo que apeteça mandar um balázio
no peito de adobe, o mesmo peito
que estremecia na Camioneta Vermelha.

Por isso aqui estou eu para nuns versos
dizer que o mundo acaba e não acaba
quando a massa de um coração frágil
lembra a cidade entrevista ao longe

longe do alto da Camioneta Vermelha.

(Fernando Assis Pacheco)
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MensagemAssunto: Re: FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA   FERNANDO ASSIS PACHECO - O POETA JORNALISTA EmptyQua Out 13, 2010 2:17 pm

Ode ao librium dez

Embora química a tua
é realmente uma paz
para duas longas horas,
paz sentada, na varanda,
folheando jornais,
lendo só os títulos
(o novo papa recebe),

uma paz assim fresca,
sem grandes gestos
escusados, diria
uma paz no duche,
ou depois à mesa
comendo a sopa leve,
o bife grelhado
com pouco sal,

paz da papaia doce,
gotas de limão,
paz de um copo de água,
uma brisa ténue
arrepiando quase nada
os pêlos das pernas,
encrespando-os quase nada

e isto é o repouso,
a mansidão tranquila,
o descanso, a quietude,
a serenidade, o feltro,
a pele bem curtida
tocada do avesso,
a aldeia pequena,
a caruma, o cheiro
dos medronhos maduros,

rolas que então
vinham beber aos poços,
assobios de melros
pela manhã, escondidos
nos juncais, furtivas
carreiras de coelhos,
milho na eira ao sol,
pão cozendo no forno,
fumo vago e alegre,

paz do fumo, paz
terna, por duas horas,
por um homem
que se entrega duas horas,
que se entrega,
que se entrega na varanda
ao librium, que se entrega.

(Fernando Assis Pacheco)
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