| SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Seg maio 03, 2010 8:32 pm | |
| Poetisa e contista portuguesa, nasceu no Porto, no seio de uma família aristocrática, e aí viveu até aos dez anos, altura em que se mudou para Lisboa.
De origem dinamarquesa por parte do pai, a sua educação decorreu num ambiente católico e culturalmente privilegiado que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em consonância com o seu fascínio pelo mundo grego (que a levou igualmente a viajar pela Grécia e por toda a região mediterrânica), não tendo todavia chegado a concluí-lo.
Teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores.
O ambiente da sua infância reflecte-se em imagens e ambientes presentes na sua obra, sobretudo nos livros para crianças. Os verões passados na praia da Granja e os jardins da casa da família ressurgem em evocações do mar ou de espaços de paz e amplitude. A civilização grega é igualmente uma presença recorrente nos versos de Sophia, através da sua crença profunda na união entre os deuses e a natureza, tal como outra dimensão da religiosidade, provinda da tradição bíblica e cristã.
A sua actividade literária (e política) pautou-se sempre pelas ideias de justiça, liberdade e integridade moral. A depuração, o equilíbrio e a limpidez da linguagem poética, a presença constante da Natureza, a atenção permanente aos problemas e à tragicidade da vida humana são reflexo de uma formação clássica, com leituras, por exemplo, de Homero, durante a juventude. Colaborou nas revistas Cadernos de Poesia (1940), Távola Redonda (1950) e Árvore (1951) e conviveu com nomes da literatura como Miguel Torga, Ruy Cinatti e Jorge de Sena.
Na lírica, estreou-se com Poesia (1944), a que se seguiram Dia do Mar (1947), Coral (1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961), Livro Sexto (1962, Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores), Geografia (1967), Dual (1972), O Nome das Coisas (1977, Prémio Teixeira de Pascoaes), Navegações (1977-82) e Ilhas (1989). Este último voltou a ser publicado em 1996, numa edição de poemas escolhidos acompanhada de fotografias de Daniel Blaufuks. Em 1968, foi publicada uma Antologia e, entre 1990 e 1992, surgiram três volumes da sua Obra Poética. Seguiram-se os títulos Musa (1994) e O Búzio de Cós (1997). Colaborou ainda com Júlio Resende na organização de um livro para a infância e juventude, intitulado Primeiro Livro de Poesia (1993).
Em prosa, escreveu O Rapaz de Bronze (1956), Contos Exemplares (1962), Histórias da Terra e do Mar (1984) e os contos infantis A Fada Oriana (1958), A Menina do Mar (1958), Noite de Natal (1959), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e A Floresta (1968). É ainda autora dos ensaios Cecília Meireles (1958), Poesia e Realidade(1960) e O Nu na Antiguidade Clássica (1975), para além de trabalhos de tradução de Dante, Shakespeare e Eurípedes.
A sua obra literária encontra-se parcialmente traduzida em França, Itália e nos Estados Unidos da América. Em 1994 recebeu o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores e, no ano seguinte, o Prémio Petrarca, da Associação de Editores Italianos. O seu valor, como poetisa e figura da cultura portuguesa, foi também reconhecido através da atribuição do Prémio Camões, em 1999.
Em 2001, foi distinguida com o Prémio Max Jacob de Poesia, num ano em que o prémio foi excepcionalmente alargado a poetas de língua estrangeira.
Em Agosto do mesmo ano, foi lançada a antologia poética Mar. Em Outubro publicou o livro O Colar. Em Dezembro, saiu a obra poética Orpheu e Eurydice, onde o orphismo está, mais uma vez, presente, bem como o amor entre Orpheu, símbolo dos poetas, e Eurídice, que a autora recupera num sentido diverso do instaurado pela tradição helénica | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Seg maio 03, 2010 8:37 pm | |
| Retrato de uma princesa desconhecida
Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que a sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição Solitária exilada sem destino
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Ter maio 04, 2010 9:49 pm | |
| Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não.
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Qua maio 05, 2010 8:23 pm | |
| 25 DE ABRIL
Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Sáb maio 08, 2010 8:36 pm | |
| AUSÊNCIA
Num deserto sem água Numa noite sem lua Num país sem nome Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Dom maio 09, 2010 10:23 pm | |
| Um dia
Um dia, gastos, voltaremos A viver livres como os animais E mesmo tão cansados floriremos Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços Dos gestos agitados irreais E há-de voltar aos nosso membros lassos A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar Através do mistério que se embala No verde dos pinhais na voz do mar E em nós germinará a sua fala.
(Sophia de Mello Breyner) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Qua maio 12, 2010 11:16 pm | |
| Hora
Sinto que hoje novamente embarco Para as grandes aventuras, Passam no ar palavras obscuras E o meu desejo canta... por isso marco Nos meus sentidos a imagem desta hora.
Sonoro e profundo Aquele mundo Que eu sonhara e perdera Espera O peso dos meus gestos.
E dormem mil gestos nos meus dedos.
Desligadas dos círculos funestos Das mentiras alheias, Finalmente solitárias, As minhas mãos estão cheias De expectativa e de segredos Como os negros arvoredos Que baloiçam na noite murmurando.
Ao longe por mim oiço chamando A voz das coisas que eu sei amar.
E de novo caminho para o mar.
(Sophia de Mello Breyner) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Qui maio 13, 2010 9:42 pm | |
| Pirata
Sou o único homem a bordo do meu barco. Os outros são monstros que não falam, Tigres e ursos que amarrei aos remos, E o meu desprezo reina sobre o mar.
Gosto de uivar no vento com os mastros E de me abrir na brisa com as velas, E há momentos que são quase esquecimento Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa, A minha amada é onde os roseirais dão flor, O meu desejo é o rastro que ficou das aves, E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
(Sophia de Mello Breyner)
Última edição por Anarca em Sáb maio 15, 2010 5:25 pm, editado 1 vez(es) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Sáb maio 15, 2010 5:25 pm | |
| A Hora da Partida A hora da partida soa quando Escurecem o jardim e o vento passa, Estala o chão e as portas batem, quando A noite cada nó em si deslaça. A hora da partida soa quando As árvores parecem inspiradas Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos Me é estranha e longínqua a minha face E de mim se desprende a minha vida.
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Qua Jun 30, 2010 11:25 pm | |
| A paz sem vencedor e sem vencidos Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos A paz sem vencedor e sem vencidos Que o tempo que nos deste seja um novo Recomeço de esperança e de justiça. Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência Para podermos ler melhor a vida Para entendermos vosso mandamento Para que venha a nós o vosso reino Dai-nos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos Dai-nos a paz que nasce da verdade Dai-nos a paz que nasce da justiça Dai-nos a paz chamada liberdade Dai-nos Senhor paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Dom Jul 04, 2010 2:35 pm | |
| Aquele que partiu Aquele que partiu Precedendo os próprios passos como um jovem morto Deixou-nos a esperança.
Ele não ficou para connosco Destruir com amargas mãos seu próprio rosto Intacta é a sua ausência Como a estátua dum deus Poupada pelos invasores duma cidade em ruínas
Ele não ficou para assistir À morte da verdade e à vitória do tempo
Que ao longe Na mais longínqua praia Onde só haja espuma sal e vento Ele se perca tendo-se cumprido Segundo a lei do seu próprio pensamento
E que ninguém repita o seu nome proibido.
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Ter Jul 13, 2010 10:21 pm | |
| As pessoas sensíveis As pessoas sensíveis não são capazes De matar galinhas Porém são capazes De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira À roupa do seu corpo Aquela roupa Que depois da chuva secou sobre o corpo Porque não tinham outra O dinheiro cheira a pobre e cheira A roupa Que depois do suor não foi lavada Porque não tinham outra
"Ganharás o pão com o suor do teu rosto" Assim nos foi imposto E não: "Com o suor dos outros ganharás o pão."
Ó vendilhões do templo Ó constructores Das grandes estátuas balofas e pesadas Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor Porque eles sabem o que fazem.
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Dom Jul 25, 2010 2:55 pm | |
| Assim o amor Espantado meu olhar com teus cabelos Espantado meu olhar com teus cavalos E grandes praias fluidas avenidas Tardes que oscilam demoradas E um confuso rumor de obscuras vidas E o tempo sentado no limiar dos campos Com seu fuso sua faca e seus novelos Em vão busquei eterna luz precisa
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Dom Jul 25, 2010 2:57 pm | |
| Cada dia é mais evidente que partimos Cada dia é mais evidente que partimos Sem nenhum possível regresso no que fomos, Cada dia as horas se despem mais do alimento: Não há saudades nem terror que baste.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Sex Jul 30, 2010 9:13 pm | |
| Descobrimento Um oceano de músculos verdes Um ídolo de muitos braços como um polvo Caos incorruptível que irrompe E tumulto ordenado. Bailarino contorcido Em redor dos navios esticados Atravessamos fileiras de cavalos Que sacudiam as crinas nos alísios O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo Para mostrar as praias E um povo De homens recém-criados ainda cor de barro Ainda nus ainda deslumbrados
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Dom Ago 01, 2010 5:32 pm | |
| Este é o tempo Este é o tempo Este é o tempo Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite Densa de chacais Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Qua Ago 04, 2010 11:24 pm | |
| Noite de Abril Hoje, noite de Abril, sem lua, A minha rua É outra rua.
Talvez por ser mais que nenhuma escura E bailar o vento leste A noite de hoje veste As coisas conhecidas de aventura.
Uma rua nova destruiu a rua do costume. Como se sempre nela houvesse este perfume De vento leste e Primavera, A sombra dos muros espera
Alguém que ela conhece. E às vezes, o silêncio estremece Como se fosse a hora de passar alguém Que só hoje não vem.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Qui Ago 05, 2010 10:10 pm | |
| Pátria Por um país de pedra e vento duro Por um país de luz perfeita e clara Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência Que a miséria longamente desenhou Rente aos ossos com toda a exactidão Do longo relatório irrecusável
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento E pela limpidez das tão amadas Palavras sempre ditas com paixão Pela cor e pelo peso das palavras Pelo concreto silêncio limpo das palavras Donde se erguem as coisas nomeadas Pela nudez das palavras deslumbradas
- Pedra rio vento casa Pranto dia canto alento Espaço raiz e água Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar E o exílio se inscreve em pleno tempo.
(Sophia de Mello Breyner Andresen) | |
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BuFFis
Mensagens : 587 Data de inscrição : 02/06/2009 Idade : 114 Localização : Aqui
| Assunto: Re: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - A POETISA QUE VEIO DO FRIO Seg Out 04, 2010 9:17 pm | |
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