| | PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Ago 18, 2009 12:27 pm | |
| Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello nasceu em 1904, no Porto. Frequentou a Universidade de Coimbra e a Universidade de Lisboa, onde se formou em Direito. Foi advogado e professor, exercendo funções de direcção de uma escola, no Porto. Notabilizou-se como poeta, tentando conciliar a expressão metafórica elaborada com a tradição popular, o paganismo com a formação católica, a expressão do corpo - às vezes erótica - com valores religiosos. Nem sempre essa conciliação é conseguida e pacífica. Manifestou interesse pelo folclore e pelas danças populares, escrevendo sobre estes assuntos.
Morreu em 1984, no Porto. | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Ago 18, 2009 12:37 pm | |
| Realidade
Fomos longe demais, para voltar Aos antigos canteiros onde há rosas. Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar Buscam nas cores vozes misteriosas...
Mas o mistério é flor da juventude. Não rima com poemas desumanos. A idade - a nossa idade! - nunca ilude. Só uma vez é que se tem vinte anos.
Quebrámos todos, todos os espelhos E o sol que, neles, está hoje posto Já não reflecte os lábios tão vermelhos Que nos iluminam, sempre, o rosto.
Realidade? Há uma: apenas esta! - Somos espectros na cidade em festa.
Pedro Homem de Mello, in "Eu Desci aos Infernos" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qua Ago 19, 2009 12:29 pm | |
| Últimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria, De que se gosta mais do que de gente, Na branca praia, onde te vi um dia Para sonhar, já tarde, eternamente,
Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera, Intacto o rasto dos antigos passos, Aquela praia, inamovível, era Espelho de pés leves, depois lassos!
E doravante, imploro, em testamento, Que, nesta areia, a espuma seja a tiara Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento...
- Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? - Se em vida, agora, tudo nos separa Ó meu amor, apodreçamos juntos!
Pedro Homem de Mello, in "Ecce Homo" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Ago 25, 2009 12:49 pm | |
| Realidade
Fomos longe demais, para voltar Aos antigos canteiros onde há rosas. Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar Buscam nas cores vozes misteriosas...
Mas o mistério é flor da juventude. Não rima com poemas desumanos. A idade - a nossa idade! - nunca ilude. Só uma vez é que se tem vinte anos.
Quebrámos todos, todos os espelhos E o sol que, neles, está hoje posto Já não reflecte os lábios tão vermelhos Que nos iluminam, sempre, o rosto.
Realidade? Há uma: apenas esta! - Somos espectros na cidade em festa.
Pedro Homem de Mello, in "Eu Desci aos Infernos" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qui Ago 27, 2009 12:39 pm | |
| Mistério
Teu corpo veio a mim. Donde viera? Que flor? Que fruto? Pétala indecisa... Rima suave: Outono ou Primavera? Teu corpo veio como vem a brisa...
Rosa de Maio, encastoada em luto: O dos meus olhos e o do meu cabelo. Um quarto para as onze! E esse minuto Ai! nunca, nunca mais pude esquecê-lo!
Viu-se, primeiro, o rosto e o ombro, depois. E a mão subiu das ancas para o peito... - Quem és? Sou teu... (Quando um e um são dois, Dois podem ser um só cristal perfeito!)
Um quarto para as onze! Caiu neve? Abri os olhos! Era quase dia... Ou bater de asas, cada vez mais leve, De pássaro na sombra que fugia?
Pedro Homem de Mello, in "Nós Portugueses Somos Castos" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Sex Ago 28, 2009 6:29 pm | |
| Resgate
Não sou isto nem aquilo É o meu modo de viver É, às vezes, tão tranquilo Que nem chega a dar prazer... Todavia, onde apareço, Logo a paz desaparece E a guerra que não mereço Dá princípio à minha prece. És alegre? Vês-me triste? Por que não te vais embora? Quem é triste é porque é triste. E quem chora é porque chora. Tenho tudo o que não tens Tenho a névoa por remate. Sou da raça desses cães Em que toda a gente bate. Só a idade com o tempo Há-de vir tornar-me forte. A uns, basta-lhes o vento... Aos Poetas, basta a morte.
Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Seg Set 14, 2009 1:13 pm | |
| Encontro
Felicidade, agarrei-te Como um cão, pelo cachaço! E, contigo, em mar de azeite Afoguei-me, passo a passo... Dei à minha alma a preguiça Que o meu corpo não tivera. E foi, assim, que, submissa, Vi chegar a Primavera... Quem a colher que a arrecade (Há, nela, um segredo lento...) Ó frágil felicidade! - Palavra que leva o vento, E, depois, como se a ideia De, nos dedos, a ter tido Bastasse, por fim, larguei-a, Sem ficar arrependido...
Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Set 15, 2009 12:41 pm | |
| Pátria
A Pátria não é apenas Um corpo de bailador. Não são duas mãos morenas Nem mesmo um beijo de amor Mais do que os livros que lemos, Mais que os amigos que temos, Mais até que a mocidade, A Pátria, realidade, Vive em nós, porque vivemos.
Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qua Set 16, 2009 12:15 pm | |
| Adolescentes
Exaustos, mudos, sempre que os vejo, Nos bancos tristes que há na cidade, Sobe em mim próprio como um desejo Ou um remorso da mocidade...
E até a brisa, perfidamente Lhes roça os lábios pelos cabelos Quando a cidade, na sua frente Rindo e correndo, finge esquecê-los!
Eles, no entanto, sentem-na bela. (Deram-lhe sangue, pranto e suor). Quantos, mais tarde se vingam dela Por tudo o que hoje sabem de cor!
E essas paragens nos bancos tristes (Aquela estranha meditação!) Traz-lhes, meu Deus, só porque existes, A garantia do teu perdão!
Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qui Set 17, 2009 1:44 pm | |
| Fonte
Meu amor diz-me o teu nome - Nome que desaprendi... Diz-me apenas o teu nome. Nada mais quero de ti. Diz-me apenas se em teus olhos Minhas lágrimas não vi, Se era noite nos teus olhos, Só por que passei por ti! Depois, calaram-se os versos - Versos que desaprendi... E nasceram outros versos Que me afastaram de ti. Meu amor, diz-me o teu nome. Alumia o meu ouvido. Diz-me apenas o teu nome, Antes que eu rasgue estes versos, Como quem rasga um vestido!
Pedro Homem de Mello, in "Grande, Grande Era a Cidade..." | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Sex Set 18, 2009 12:35 pm | |
| Divórcio
Cidade muda, rente a meu lado, Como um fantasma sob a neblina... Há cem mil rostos. Tanto soldado E tanto abraço desesperado Nesta cidade tão masculina!
Cidade muda como um soldado.
Cidade cega. Todos os dias, A nossa vida fica mais breve, As nossas mãos ficam mais frias... Todos os dias, todos os dias, A morte paga, paga a quem deve.
Cidade cega todos os dias.
Cidade oblíqua. Sexo pesado. Rio de cinza, lúgubre e lento... Bandeira negra, barco parado, Nunca o teu nome foi baptizado Nem o teu beijo foi casamento!
Cidade minha, do meu pecado...
Cidade estranha, sabes que existo? Os homens passam... Para onde vão? Só tem amores quem não for visto. Por isso canto, só porque insisto Em dar combates à tentação.
Oh! a volúpia de não ser visto!
Pedro Homem de Mello, in "Grande, Grande Era a Cidade..." | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Seg Set 21, 2009 12:56 pm | |
| Juventude
Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia, Felizes, ambos, íamos nadar E em nossa boca a espuma persistia Em dar ao Sol o nome do Luar?
Tudo era fácil, melodioso e longo. Aqui e além, um súbito ditongo Ecoava em nós certa canção pagã.
Contudo o azul do mar não tinha fundo E o mundo continuava a ser o mundo Banhado pela aragem da manhã!...
Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qui Set 24, 2009 3:56 pm | |
| Inocência
De um lado, a veste; o corpo, do outro lado, Límpido, nu, intacto, sem defesa... Mitológico rosto debruçado Na noite que, por ele, fica acesa!
Se traz os lábios húmidos e lassos É que a paixão sem mácula ainda o cega E tatuou na curva de alvos braços As sete letras da palavra: entrega.
Acre perfume o dessa flor agreste. Álcool azul o desse verde vinho. De um lado o corpo; do outro lado, a veste Como luar deitado no caminho...
Em frente há um pinheiro cismador. O rio corre, vagaroso ao fundo. Na estrada ninguém passa... Ai! tanto amor Sem culpa! Ai! dos Poetas deste mundo!
Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Sex Set 25, 2009 1:29 pm | |
| Os Poetas
Nunca os vistes Sentados nos cafés que há na cidade, Um livro aberto sobre a mesa e tristes, Incógnitos, sem oiro e sem idade?
Com magros dedos, coroando a fronte, Sugerem o nostálgico sentido De quem rasgasse um pouco de horizonte Proibido...
Fingem de reis da Terra e do Oceano (E filhos são legítimos do vício!) Tudo o que neles nos pareça humano É fogo de artifício.
Por vezes, fecham-lhes as portas - Ódio que a nada se resume - Voltam, depois, a horas mortas, Sem um queixume.
E mostram sempre novos laivos De poesia em seu olhar...
Adolescentes! Afastai-vos Quando algum deles vos fitar!
Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qua Set 30, 2009 6:37 pm | |
| Solidão
Ó solidão! À noite, quando, estranho, Vagueio sem destino, pelas ruas, O mar todo é de pedra... E continuas. Todo o vento é poeira... E continuas. A Lua, fria, pesa... E continuas. Uma hora passa e outra... E continuas. Nas minhas mãos vazias continuas, No meu sexo indomável continuas, Na minha branca insónia continuas, Paro como quem foge. E continuas. Chamo por toda a gente. E continuas. Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas. Invento um verso... E rasgo-o. E continuas. Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho!
Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Out 06, 2009 4:43 pm | |
| Os Amigos Infelizes
Andamos nus, apenas revestidos Da música inocente dos sentidos.
Como nuvens ou pássaros passamos Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.
No entanto, em nós, o canto é quase mudo. Nada pedimos. Recusamos tudo.
Nunca para vingar as próprias dores Tiramos sangue ao mundo ou vida às flores.
E a noite chega! Ao longe, morre o dia... A Pátria é o Céu. E o Céu, a Poesia...
E há mãos que vêm poisar em nossos ombros E somos o silêncio dos escombros.
Ó meus irmãos! em todos os países, Rezai pelos amigos infelizes!
Pedro Homem de Mello, in "Os Amigos Infelizes" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qua Out 07, 2009 4:29 pm | |
| Dinheiro
Quem quiser ter filhos que doire primeiro A jarra onde, inteira, caiba alguma flor! Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro! - Dinheiro! Dinheiro! Ó canção de Amor!
As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos. Os amantes sonham... Sonho passageiro! Música de estrelas: Ética de enganos; Ilusões, perdidas depois dos vinte anos.. E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!
Teus pais, teus irmãos e tua mulher Cercarão teu leito de herói derradeiro (Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!) E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer: - Dinheiro! Dinheiro!
Deixa-lhes os versos que um dia fizeste, Amarrado ao lodo, porém verdadeiro. E eles te dirão: - Pássaro celeste, Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!
Ó canção de amor! Dinheiro! Dinheiro!
Pedro Homem de Mello, in "Os Amigos Infelizes" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qua Out 14, 2009 4:42 pm | |
| Aliança
Por tudo quanto sei, mas não sabia, (Feliz de quem um dia ainda o souber!) Por essa estrela branca em noite fria! Anunciação, talvez, de poesia... Por ti, minha mulher!
Por esse homem que sou, mas que não era, Vendo na morte a vida que vier! Por teu sorriso em minha vida austera. Anunciação, talvez de Primavera... Por ti, minha mulher!
Pelo caminho humano a que vieste Com fé no amor. - Seja o que Deus quiser! Por certa fonte abrindo a rocha agreste... Por esse filho loiro que me deste! Por ti, minha mulher!
Pelo perdão que espalho aos quatro ventos, De antemão cego ao mal que me trouxer Despeitos surdos, pérfidos momentos; Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos... Por ti, minha mulher!
Nada mais digo. Nada. Que não posso! Mas dirá mais do que eu quem não disser Como eu?: - Avé-Maria... Padre-Nosso... Por tudo quanto é meu (e que é tão nosso!) Por ti, minha mulher!
Pedro Homem de Mello, in "Adeus" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Sex Out 16, 2009 4:57 pm | |
| Cisne
Amei-te? Sim. Doidamente! Amei-te com esse amor Que traz vida e foi doente...
À beira de ti, as horas Não eram horas: paravam. E, longe de ti, o tempo Era tempo, infelizmente...
Ai! esse amor que traz vida, Cor, saúde... e foi doente!
Porém, voltavas e, então, Os cardos davam camélias, Os alecrins, açucenas, As aves, brancos lilases, E as ruas, todas morenas, Eram tapetes de flores Onde havia musgo, apenas...
E, enquanto subia a Lua, Nas asas do vento brando, O meu sangue ia passando Da minha mão para a tua!
Por que te amei? - Ninguém sabe A causa daquele amor Que traz vida e foi doente.
Talvez viesse da terra, Quando a terra lembra a carne. Talvez viesse da carne Quando a carne lembra a alma! Talvez viesse da noite Quando a noite lembra o dia.
- Talvez viesse de mim. E da minha poesia...
Pedro Homem de Mello, in "Adeus" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Seg Out 19, 2009 1:57 pm | |
| Confissão
Meus lábios, meus olhos (a flor e o veludo...) Minha ideia turva, minha voz sonora, Meu corpo vestido, meu sonho desnudo... Senhor confessor! Sabeis tudo - tudo! Quanto o vulgo, ingénuo, ao saudar-me, ignora!
Sabeis que em meus beijos a fome dormira Antes que da orgia a fé despertasse... Sabeis que sem oiro o mundo é mentira E, como do fruto que Deus proibira, Um luar tombou, manchando-me a face.
Pássaro, cativo da noite infinita! Águia de asa inútil, pela noite presa! Ó cruz dos poetas! ó noite infinita! Ó palavra eterna! minha única escrita! Beleza! Beleza! Beleza! Beleza!
Eis as minhas mãos! Quem pode prendê-las? São frágeis, mas nelas há dedos inteiros. Senhor confessor! Quem não conta estrelas? Meus dedos, um dia, contaram estrelas... Quem conta as estrelas não conta dinheiros!
Pedro Homem de Mello, in "Adeus" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Out 20, 2009 4:38 pm | |
| Aleluia
Era a mulher - a mulher nua e bela, Sem a impostura inútil do vestido Era a mulher, cantando ao meu ouvido, Como se a luz se resumisse nela... Mulher de seios duros e pequenos Com uma flor a abrir em cada peito. Era a mulher com bíblicos acenos E cada qual para os meus dedos feito. Era o seu corpo - a sua carne toda. Era o seu porte, o seu olhar, seus braços: Luar de noite e manancial de boda, Boca vermelha de sorrisos lassos. Era a mulher - a fonte permitida Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo... Era a mulher e o seu amor fecundo Dando a nós, homens, o direito à vida!
Pedro Homem de Mello, in "Miserere" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Qua Out 21, 2009 1:30 pm | |
| Povo
Povo que lavas no rio, Que vais às feiras e à tenda, Que talhas com teu machado As tábuas do meu caixão, Pode haver quem te defenda, Quem turve o teu ar sadio, Quem compre o teu chão sagrado, Mas a tua vida, não!
Meu cravo branco na orelha! Minha camélia vermelha! Meu verde manjericão! Ó natureza vadia! Vejo uma fotografia... Mas a tua vida, não!
Fui ter à mesa redonda, Bebendo em malga que esconda O beijo, de mão em mão... Água pura, fruto agreste, Fora o vinho que me deste, Mas a tua vida, não!
Procissões de praia e monte, Areais, píncaros, passos Atrás dos quais os meus vão! Que é dos cântaros da fonte? Guardo o jeito desses braços... Mas a tua vida, não!
Aromas de urze e de lama! Dormi com eles na cama... Tive a mesma condição. Bruxas e lobas, estrelas! Tive o dom de conhecê-las... Mas a tua vida, não!
Subi às frias montanhas, Pelas veredas estranhas Onde os meus olhos estão. Rasguei certo corpo ao meio... Vi certa curva em teu seio... Mas a tua vida, não!
Só tu! Só tu és verdade! Quando o remorso me invade E me leva à confissão... Povo! Povo! eu te pertenço. Deste-me alturas de incenso, Mas a tua vida, não!
Povo que lavas no rio, Que vais às feiras e à tenda, Que talhas com teu machado, As tábuas do meu caixão, Pode haver quem te defenda, Quem turve o teu ar sadio, Quem compre o teu chão sagrado, Mas a tua vida, não!
Pedro Homem de Mello, in "Miserere" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Sex Out 23, 2009 5:41 pm | |
| Amizade
Ser-se amigo é ser-se pai ( - Ou mais do que pai talvez...) É pôr-se a boca onde cai A nódoa que nos desfez.
É dar sem receber nada, Consciente da prisão, Onde os nossos passos vão Em linha por nós traçada...
É saber que nos consome A sede, e sentirmos bem O Céu, por na Terra, alguém Rir, cantar e não ter fome.
É aceitar a mentira E achá-la formosa e humana Só porque a gente respira O ar de quem nos engana.
Pedro Homem de Mello, in "Miserere" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Seg Out 26, 2009 5:31 pm | |
| Escárnio
O meu amor anda em fama. Mesmo assim lhe quero bem. Cegueira? Seja o que for! Os olhos do meu amor Não os vejo em mais ninguém.
Tentaram deitá-lo à rua, Mas abri-lhe a minha porta, E a minha mão, toda nua, Varreu toda a noite morta. Porém, mil vozes, medonhas Como pedaços de lama, Segredaram-me vergonhas Do meu amor que anda em fama.
Ai! a dor! - casa florida... Ai! o amor! - casa cercada.
Há-de-se acabar a vida Com a última pedrada!..
Pedro Homem de Mello, in "Bodas Vermelhas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Ter Out 27, 2009 2:51 pm | |
| Simplicidade
Queria, queria Ter a singeleza Das vidas sem alma E a lúcida calma Da matéria presa.
Queria, queria Ser igual ao peixe Que livre nas águas Se mexe;
Ser igual em som, Ser igual em graça Ao pássaro leve, Que esvoaça...
Tudo isso eu queria! (Ser fraco é ser forte). Queria viver E depois morrer Sem nunca aprender A gostar da morte.
Pedro Homem de Mello, in "Estrela Morta" | |
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| Assunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO | |
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