A LIBERDADE É AMORAL
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 PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO

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MensagemAssunto: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Ago 18, 2009 12:27 pm

Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello nasceu em 1904, no Porto. Frequentou a Universidade de Coimbra e a Universidade de Lisboa, onde se formou em Direito. Foi advogado e professor, exercendo funções de direcção de uma escola, no Porto. Notabilizou-se como poeta, tentando conciliar a expressão metafórica elaborada com a tradição popular, o paganismo com a formação católica, a expressão do corpo - às vezes erótica - com valores religiosos. Nem sempre essa conciliação é conseguida e pacífica. Manifestou interesse pelo folclore e pelas danças populares, escrevendo sobre estes assuntos.

Morreu em 1984, no Porto.
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Ago 18, 2009 12:37 pm

Realidade

Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas...

Mas o mistério é flor da juventude.
Não rima com poemas desumanos.
A idade - a nossa idade! - nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
- Somos espectros na cidade em festa.

Pedro Homem de Mello, in "Eu Desci aos Infernos"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQua Ago 19, 2009 12:29 pm

Últimas Vontades

Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,

Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!

E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento...

- Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? -
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!

Pedro Homem de Mello, in "Ecce Homo"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Ago 25, 2009 12:49 pm

Realidade

Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas...

Mas o mistério é flor da juventude.
Não rima com poemas desumanos.
A idade - a nossa idade! - nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
- Somos espectros na cidade em festa.

Pedro Homem de Mello, in "Eu Desci aos Infernos"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQui Ago 27, 2009 12:39 pm

Mistério

Teu corpo veio a mim. Donde viera?
Que flor? Que fruto? Pétala indecisa...
Rima suave: Outono ou Primavera?
Teu corpo veio como vem a brisa...

Rosa de Maio, encastoada em luto:
O dos meus olhos e o do meu cabelo.
Um quarto para as onze! E esse minuto
Ai! nunca, nunca mais pude esquecê-lo!

Viu-se, primeiro, o rosto e o ombro, depois.
E a mão subiu das ancas para o peito...
- Quem és? Sou teu... (Quando um e um são dois,
Dois podem ser um só cristal perfeito!)

Um quarto para as onze! Caiu neve?
Abri os olhos! Era quase dia...
Ou bater de asas, cada vez mais leve,
De pássaro na sombra que fugia?

Pedro Homem de Mello, in "Nós Portugueses Somos Castos"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySex Ago 28, 2009 6:29 pm

Resgate

Não sou isto nem aquilo
É o meu modo de viver
É, às vezes, tão tranquilo
Que nem chega a dar prazer...
Todavia, onde apareço,
Logo a paz desaparece
E a guerra que não mereço
Dá princípio à minha prece.
És alegre? Vês-me triste?
Por que não te vais embora?
Quem é triste é porque é triste.
E quem chora é porque chora.
Tenho tudo o que não tens
Tenho a névoa por remate.
Sou da raça desses cães
Em que toda a gente bate.
Só a idade com o tempo
Há-de vir tornar-me forte.
A uns, basta-lhes o vento...
Aos Poetas, basta a morte.

Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySeg Set 14, 2009 1:13 pm

Encontro

Felicidade, agarrei-te
Como um cão, pelo cachaço!
E, contigo, em mar de azeite
Afoguei-me, passo a passo...
Dei à minha alma a preguiça
Que o meu corpo não tivera.
E foi, assim, que, submissa,
Vi chegar a Primavera...
Quem a colher que a arrecade
(Há, nela, um segredo lento...)
Ó frágil felicidade!
- Palavra que leva o vento,
E, depois, como se a ideia
De, nos dedos, a ter tido
Bastasse, por fim, larguei-a,
Sem ficar arrependido...

Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Set 15, 2009 12:41 pm

Pátria

A Pátria não é apenas
Um corpo de bailador.
Não são duas mãos morenas
Nem mesmo um beijo de amor
Mais do que os livros que lemos,
Mais que os amigos que temos,
Mais até que a mocidade,
A Pátria, realidade,
Vive em nós, porque vivemos.

Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQua Set 16, 2009 12:15 pm

Adolescentes

Exaustos, mudos, sempre que os vejo,
Nos bancos tristes que há na cidade,
Sobe em mim próprio como um desejo
Ou um remorso da mocidade...

E até a brisa, perfidamente
Lhes roça os lábios pelos cabelos
Quando a cidade, na sua frente
Rindo e correndo, finge esquecê-los!

Eles, no entanto, sentem-na bela.
(Deram-lhe sangue, pranto e suor).
Quantos, mais tarde se vingam dela
Por tudo o que hoje sabem de cor!

E essas paragens nos bancos tristes
(Aquela estranha meditação!)
Traz-lhes, meu Deus, só porque existes,
A garantia do teu perdão!

Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQui Set 17, 2009 1:44 pm

Fonte

Meu amor diz-me o teu nome
- Nome que desaprendi...
Diz-me apenas o teu nome.
Nada mais quero de ti.
Diz-me apenas se em teus olhos
Minhas lágrimas não vi,
Se era noite nos teus olhos,
Só por que passei por ti!
Depois, calaram-se os versos
- Versos que desaprendi...
E nasceram outros versos
Que me afastaram de ti.
Meu amor, diz-me o teu nome.
Alumia o meu ouvido.
Diz-me apenas o teu nome,
Antes que eu rasgue estes versos,
Como quem rasga um vestido!

Pedro Homem de Mello, in "Grande, Grande Era a Cidade..."
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySex Set 18, 2009 12:35 pm

Divórcio

Cidade muda, rente a meu lado,
Como um fantasma sob a neblina...
Há cem mil rostos. Tanto soldado
E tanto abraço desesperado
Nesta cidade tão masculina!

Cidade muda como um soldado.

Cidade cega. Todos os dias,
A nossa vida fica mais breve,
As nossas mãos ficam mais frias...
Todos os dias, todos os dias,
A morte paga, paga a quem deve.

Cidade cega todos os dias.

Cidade oblíqua. Sexo pesado.
Rio de cinza, lúgubre e lento...
Bandeira negra, barco parado,
Nunca o teu nome foi baptizado
Nem o teu beijo foi casamento!

Cidade minha, do meu pecado...

Cidade estranha, sabes que existo?
Os homens passam... Para onde vão?
Só tem amores quem não for visto.
Por isso canto, só porque insisto
Em dar combates à tentação.

Oh! a volúpia de não ser visto!

Pedro Homem de Mello, in "Grande, Grande Era a Cidade..."
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySeg Set 21, 2009 12:56 pm

Juventude

Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia,
Felizes, ambos, íamos nadar
E em nossa boca a espuma persistia
Em dar ao Sol o nome do Luar?

Tudo era fácil, melodioso e longo.
Aqui e além, um súbito ditongo
Ecoava em nós certa canção pagã.

Contudo o azul do mar não tinha fundo
E o mundo continuava a ser o mundo
Banhado pela aragem da manhã!...

Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQui Set 24, 2009 3:56 pm

Inocência

De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
Límpido, nu, intacto, sem defesa...
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!

Se traz os lábios húmidos e lassos
É que a paixão sem mácula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.

Acre perfume o dessa flor agreste.
Álcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho...

Em frente há um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguém passa... Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!

Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySex Set 25, 2009 1:29 pm

Os Poetas

Nunca os vistes
Sentados nos cafés que há na cidade,
Um livro aberto sobre a mesa e tristes,
Incógnitos, sem oiro e sem idade?

Com magros dedos, coroando a fronte,
Sugerem o nostálgico sentido
De quem rasgasse um pouco de horizonte
Proibido...

Fingem de reis da Terra e do Oceano
(E filhos são legítimos do vício!)
Tudo o que neles nos pareça humano
É fogo de artifício.

Por vezes, fecham-lhes as portas
- Ódio que a nada se resume -
Voltam, depois, a horas mortas,
Sem um queixume.

E mostram sempre novos laivos
De poesia em seu olhar...

Adolescentes! Afastai-vos
Quando algum deles vos fitar!

Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQua Set 30, 2009 6:37 pm

Solidão

Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A Lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho!

Pedro Homem de Mello, in "O Rapaz da Camisola Verde"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Out 06, 2009 4:43 pm

Os Amigos Infelizes

Andamos nus, apenas revestidos
Da música inocente dos sentidos.

Como nuvens ou pássaros passamos
Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.

No entanto, em nós, o canto é quase mudo.
Nada pedimos. Recusamos tudo.

Nunca para vingar as próprias dores
Tiramos sangue ao mundo ou vida às flores.

E a noite chega! Ao longe, morre o dia...
A Pátria é o Céu. E o Céu, a Poesia...

E há mãos que vêm poisar em nossos ombros
E somos o silêncio dos escombros.

Ó meus irmãos! em todos os países,
Rezai pelos amigos infelizes!

Pedro Homem de Mello, in "Os Amigos Infelizes"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQua Out 07, 2009 4:29 pm

Dinheiro

Quem quiser ter filhos que doire primeiro
A jarra onde, inteira, caiba alguma flor!
Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro!
- Dinheiro! Dinheiro!
Ó canção de Amor!

As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos.
Os amantes sonham... Sonho passageiro!
Música de estrelas: Ética de enganos;
Ilusões, perdidas depois dos vinte anos..
E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!

Teus pais, teus irmãos e tua mulher
Cercarão teu leito de herói derradeiro
(Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!)
E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer:
- Dinheiro! Dinheiro!

Deixa-lhes os versos que um dia fizeste,
Amarrado ao lodo, porém verdadeiro.
E eles te dirão: - Pássaro celeste,
Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!

Ó canção de amor!
Dinheiro! Dinheiro!

Pedro Homem de Mello, in "Os Amigos Infelizes"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQua Out 14, 2009 4:42 pm

Aliança

Por tudo quanto sei, mas não sabia,
(Feliz de quem um dia ainda o souber!)
Por essa estrela branca em noite fria!
Anunciação, talvez, de poesia...
Por ti, minha mulher!

Por esse homem que sou, mas que não era,
Vendo na morte a vida que vier!
Por teu sorriso em minha vida austera.
Anunciação, talvez de Primavera...
Por ti, minha mulher!

Pelo caminho humano a que vieste
Com fé no amor. - Seja o que Deus quiser!
Por certa fonte abrindo a rocha agreste...
Por esse filho loiro que me deste!
Por ti, minha mulher!

Pelo perdão que espalho aos quatro ventos,
De antemão cego ao mal que me trouxer
Despeitos surdos, pérfidos momentos;
Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos...
Por ti, minha mulher!

Nada mais digo. Nada. Que não posso!
Mas dirá mais do que eu quem não disser
Como eu?: - Avé-Maria... Padre-Nosso...
Por tudo quanto é meu (e que é tão nosso!)
Por ti, minha mulher!

Pedro Homem de Mello, in "Adeus"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySex Out 16, 2009 4:57 pm

Cisne

Amei-te? Sim. Doidamente!
Amei-te com esse amor
Que traz vida e foi doente...

À beira de ti, as horas
Não eram horas: paravam.
E, longe de ti, o tempo
Era tempo, infelizmente...

Ai! esse amor que traz vida,
Cor, saúde... e foi doente!

Porém, voltavas e, então,
Os cardos davam camélias,
Os alecrins, açucenas,
As aves, brancos lilases,
E as ruas, todas morenas,
Eram tapetes de flores
Onde havia musgo, apenas...

E, enquanto subia a Lua,
Nas asas do vento brando,
O meu sangue ia passando
Da minha mão para a tua!

Por que te amei?
- Ninguém sabe
A causa daquele amor
Que traz vida e foi doente.

Talvez viesse da terra,
Quando a terra lembra a carne.
Talvez viesse da carne
Quando a carne lembra a alma!
Talvez viesse da noite
Quando a noite lembra o dia.

- Talvez viesse de mim.
E da minha poesia...

Pedro Homem de Mello, in "Adeus"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptySeg Out 19, 2009 1:57 pm

Confissão

Meus lábios, meus olhos (a flor e o veludo...)
Minha ideia turva, minha voz sonora,
Meu corpo vestido, meu sonho desnudo...
Senhor confessor! Sabeis tudo - tudo!
Quanto o vulgo, ingénuo, ao saudar-me, ignora!

Sabeis que em meus beijos a fome dormira
Antes que da orgia a fé despertasse...
Sabeis que sem oiro o mundo é mentira
E, como do fruto que Deus proibira,
Um luar tombou, manchando-me a face.

Pássaro, cativo da noite infinita!
Águia de asa inútil, pela noite presa!
Ó cruz dos poetas! ó noite infinita!
Ó palavra eterna! minha única escrita!
Beleza! Beleza! Beleza! Beleza!

Eis as minhas mãos! Quem pode prendê-las?
São frágeis, mas nelas há dedos inteiros.
Senhor confessor! Quem não conta estrelas?
Meus dedos, um dia, contaram estrelas...
Quem conta as estrelas não conta dinheiros!

Pedro Homem de Mello, in "Adeus"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Out 20, 2009 4:38 pm

Aleluia

Era a mulher - a mulher nua e bela,
Sem a impostura inútil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela...
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bíblicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo - a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher - a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo...
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nós, homens, o direito à vida!

Pedro Homem de Mello, in "Miserere"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyQua Out 21, 2009 1:30 pm

Povo

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seio...
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Pedro Homem de Mello, in "Miserere"
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Amizade

Ser-se amigo é ser-se pai
( - Ou mais do que pai talvez...)
É pôr-se a boca onde cai
A nódoa que nos desfez.

É dar sem receber nada,
Consciente da prisão,
Onde os nossos passos vão
Em linha por nós traçada...

É saber que nos consome
A sede, e sentirmos bem
O Céu, por na Terra, alguém
Rir, cantar e não ter fome.

É aceitar a mentira
E achá-la formosa e humana
Só porque a gente respira
O ar de quem nos engana.

Pedro Homem de Mello, in "Miserere"
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Escárnio

O meu amor anda em fama.
Mesmo assim lhe quero bem.
Cegueira? Seja o que for!
Os olhos do meu amor
Não os vejo em mais ninguém.

Tentaram deitá-lo à rua,
Mas abri-lhe a minha porta,
E a minha mão, toda nua,
Varreu toda a noite morta.
Porém, mil vozes, medonhas
Como pedaços de lama,
Segredaram-me vergonhas
Do meu amor que anda em fama.

Ai! a dor! - casa florida...
Ai! o amor! - casa cercada.

Há-de-se acabar a vida
Com a última pedrada!..

Pedro Homem de Mello, in "Bodas Vermelhas"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO EmptyTer Out 27, 2009 2:51 pm

Simplicidade

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

Pedro Homem de Mello, in "Estrela Morta"
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MensagemAssunto: Re: PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO   PEDRO HOMEM DE MELLO - O POETA FOLCLORICO Empty

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