| | VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA | |
| | Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qua Mar 03, 2010 3:53 pm | |
| Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro RJ, 1913 – 1980) formou-se em Direito, no Rio de Janeiro, em 1933. No mesmo ano publicou O Caminho para a Distância, seu primeiro livro de poesia. Ainda na década de 1930, são lançados Forma e Exegese (1935), Ariana, a Mulher (1936) e Novos Poemas (1938). Em 1938 viajou para a Inglaterra, para estudar Língua e Literatura Inglesa. De volta ao Brasil, ingressou na carreira diplomática; serviu nos Estados Unidos, na França e no Uruguai. Em 1956 iniciou parceria com Tom Jobim, que fez as músicas para sua peça Orfeu da Conceição. Publicou, em 1957, o Livro de Sonetos. Em 1958 foi lançado o LP Canção do Amor Demais, que inclui a música Chega de Saudade, composta por ele e Tom Jobim, marco do movimento da Bossa Nova. Nas décadas seguintes ele participaria no movimento com diversas parcerias: Baden Powell, Carlos Lyra, Edu Lobo, Francis Hime, Pixinguinha, Tom Jobim e Toquinho. Em 1965 ganhou primeiro e segundo lugares no Festival de Música Popular da TV Excelsior, com as canções Arrastão, parceria com Edu Lobo, e Canção do Amor que não Vem, parceria com Baden Powell. Vinícius de Moraes, pertencente à segunda geração do Modernismo, é um dos poetas mais populares da Literatura Brasileira. Suas canções alcançaram grande êxito de público, como Garota de Ipanema, a música brasileira mais executada no mundo. Para Otto Lara Rezende, "depois do Vinicius musical, foi o Vinicius cronista quem mais depressa chegou ao coração do grande público". Sua obra poética também teve e continua tendo muito sucesso; principalmente poemas como Soneto de Fidelidade. Ele produziu ainda poemas infantis, como os de A Arca de Noé (1970). | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qua Mar 03, 2010 3:55 pm | |
| Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei-de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angustia de quem vive Quem sabe a solidao, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive): Que nao seja imortal, posto que e chama Mas que seja infinito enquanto dure
(Vinícius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qua Mar 03, 2010 10:31 pm | |
| Citações de Vinícius de Morais:
Críticos são sujeitos que têm mau hálito no pensamento Tema: Crítica A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas tem a vida breve Tema: Felicidade O amor é querer estar perto, se longe; e mais perto, se perto Tema: Amor Que o amor não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure Tema: Amor A vida só se dá para quem se deu Tema: Vida A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida Tema: Encontro Ser feliz é viver morto de paixão Tema: Felicidade A vida é uma grande ilusão! Só sei que ela está com a razão! Tema: Vida | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qui Mar 04, 2010 10:03 pm | |
| Namorados do Mirante
Eles eram mais antigos que o silêncio A perscrutar-se intimamente os sonhos Tal como duas súbitas estátuas Em que apenas o olhar restasse humano. Qualquer toque, por certo, desfaria Os seus corpos sem tempo em pura cinza. A Remontavam às origens - a realidade Neles se fez, de substância, imagem. Dela a face era fria, a que o desejo Como um hictus, houvesse adormecido Dele apenas restava o eterno grito Da espécie - tudo mais tinha morrido. Caíam lentamente na voragem Como duas estrelas que gravitam Juntas para, depois, num grande abraço Rolarem pelo espaço e se perderem Transformadas na magma incandescente Que milénios mais tarde explode em amor E da matéria reproduz o tempo Nas galáxias da vida no infinito.
Eles eram mais antigos que o silêncio...
Vinicius de Moraes, in 'O Operário em Construção' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Sáb Mar 06, 2010 11:12 pm | |
| Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade Amo-te, enfim, como grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente
E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo, de repente Hei-de morrer de amar mais do que pude.
Vinicius de Moraes, in 'O Operário em Construção' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Ter Mar 09, 2010 12:18 am | |
| Soneto de Separação
De repente do riso fêz-se o pranto silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fêz-se espuma E das mãos espalmadas fêz-se o espanto.
De repente da calma fêz-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fêz-se o pressentimento E do momento imóvel fêz-se o drama.
De repente, não mais que de repente Fêz-se de triste o que se fêz amante E de sozinho o que se fêz contente.
Fêz-se do amigo próximo o distante Fêz-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes, in 'O Operário em Construção' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Ter Mar 09, 2010 10:07 pm | |
| Eu Não Existo Sem Você
Eu sei e você sabe Já que a vida quis assim Que nada nesse mundo levará você de mim Eu sei e você sabe Que a distância não existe Que todo grande amor Só é bem grande se for triste Por isso meu amor Não tenha medo de sofrer Que todos os caminhos Me encaminham a você.
Assim como o Oceano, só é belo com o luar Assim como a Canção, só tem razão se se cantar Assim como uma nuvem, só acontece se chover Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer Assim como viver sem ter amor, não é viver Não há você sem mim E eu não existo sem você!
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qui Mar 11, 2010 4:26 pm | |
| Procura-se um amigo
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Sáb Mar 13, 2010 8:15 pm | |
| Dialética
É claro que a vida é boa E a alegria, a única indizível emoção É claro que te acho linda Em ti bendigo o amor das coisas simples É claro que te amo E tenho tudo para ser feliz Mas acontece que eu sou triste...
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Dom Mar 14, 2010 8:59 pm | |
| Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qua Mar 17, 2010 1:04 am | |
| Pela luz dos olhos teus
Quando a luz dos olhos meus E a luz dos olhos teus Resolvem se encontrar Ai que bom que isso é meu Deus Que frio que me dá o encontro desse olhar Mas se a luz dos olhos teus Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar Meu amor, juro por Deus Que a luz dos olhos meus já não pode esperar Quero a luz dos olhos meus Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará Pela luz dos olhos teus Eu acho meu amor que só se pode achar Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qui Mar 18, 2010 9:55 pm | |
| Soneto do amor total
Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Dom Mar 21, 2010 12:32 am | |
| Operário em construção
Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as asas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.
De fato como podia Um operário em construção Compreender porque um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse eventualmente Um operário em construcão. Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma subita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão Era ele quem fazia Ele, um humilde operário Um operário em construção. Olhou em torno: a gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento Nao sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua propria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro dessa compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele nao cresceu em vão Pois além do que sabia - Excercer a profissão - O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edificio em construção Que sempre dizia "sim" Começou a dizer "não" E aprendeu a notar coisas A que nao dava atenção: Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uisque do patrão Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte Na sua resolução
Como era de se esperar As bocas da delação Comecaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação. - "Convençam-no" do contrário Disse ele sobre o operário E ao dizer isto sorria.
Dia seguinte o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação E sofreu por destinado Sua primeira agressão Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão Muitas outras seguiram Muitas outras seguirão Porém, por imprescindível Ao edificio em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia.
Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo contrário De sorte que o foi levando Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: - Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher Portanto, tudo o que ver Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não.
Disse e fitou o operário Que olhava e refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria O operário via casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão Nao vês o que te dou eu? - Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martirios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construido O operário em construção
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qua Mar 24, 2010 9:11 pm | |
| O Desespero da Piedade
Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos... Mas tende piedade também dos que andam de automóvel Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.
Tende piedade das pequenas famílias suburbanas E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina
Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.
Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá Que são virtuoses da própria tristeza e solidão Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.
Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.
Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos Quem em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...
Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros Que se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias Mas tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo: Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!
Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria Quem lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.
Tende piedade dos homens úteis como os dentistas Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer Mas tente mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.
Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.
E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!
Tende piedade da moça feia que serve na vida De casa, comida e roupa lavada da moça bonita Mas tende mais piedade ainda da moça bonita Que o homem molesta - que o homem não presta, não presta, meu Deus!
Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação E sonham exaltadas nos quartos humildes Os olhos perdidos e o seio na mão.
Tende piedade da mulher no primeiro coito Onde se cria a primeira alegria da Criação E onde se consuma a tragédia dos anjos E onde a morte encontra a vida em desintegração.
Tende piedade da mulher no instante do parto Onde ela é como a água explodindo em convulsão Onde ela é como a terra vomitando cólera Onde ela é como a lua parindo desilusão.
Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade Mas tende piedade também das mulheres casadas Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.
Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas Mas que vendem barato muito instante de esquecimento E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.
Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas De corpo hermético e coração patético Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.
Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres Que ninguém mais merece tanto amor e amizade Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.
Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras Que são crianças e são trágicas e são belas Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam E que têm a única emoção da vida nelas.
Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade E outra, à simples emoção do amor piedoso Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.
Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas A vida fere mais fundo e mais fecundo E o sexo está nelas, e o mundo está nelas E a loucura reside nesse mundo.
Tende piedade, Senhor, das santas mulheres Dos meninos velhos, dos homens humilhados - sede enfim Piedoso com todos, que tudo merece piedade E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!
(Vinicius de Moraes) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA Qua Abr 14, 2010 12:14 pm | |
| Soneto do maior amor
Maior amor nem mais estranho existe Que o meu, que não sossega a coisa amada E quando a sente alegre, fica triste E se a vê descontente dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste O amado coração, e que se agrada Mais da eterna aventura em que persiste Que de uma vida mal aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere E quando fere vibra, mas prefere Ferir a fenerecer - e vive e esmo
Fiel à sua lei de cada instante Desassombrado, doido, delirante Numa paixão de tudo e de si mesmo.
(Vinicius de Moraes) | |
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| Assunto: Re: VINÍCIUS DE MORAIS - O POETA DA BOSSA NOVA | |
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