| | CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO | |
| | |
Autor | Mensagem |
---|
Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Ter Out 06, 2009 9:12 pm | |
| Carlos Drummond de Andrade (Itabira do Mato Dentro [Itabira] MG, 1902 - Rio de Janeiro RJ, 1987) formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista A Revista. Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945.
Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996).
Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.
Última edição por Anarca em Ter Jan 19, 2010 7:35 pm, editado 1 vez(es) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Ter Out 06, 2009 9:13 pm | |
| Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.
(Carlos Drummond de Andrade) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qui Out 08, 2009 9:45 pm | |
| Citações de Carlos Drummond de Andrade:
Os homens são como as moedas; devemos tomá-los pelo seu valor, seja qual for o seu cunho Tema: Homem
Necessitamos sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos torna sem ambição Tema: Ambição
O cofre do banco contém apenas dinheiro. Frustar-se-á quem pensar que nele encontrará riqueza Tema: Dinheiro
A educação visa melhorar a natureza do homem o que nem sempre é aceite pelo interessado Tema: Educação
As obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção voluntária não vai além da mediocridade Tema: Acaso
Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante Tema: Literatura
Como as plantas a amizade não deve ser muito nem pouco regada Tema: Amizade
Há vários motivos para não amar uma pessoa, e um só para amá-la; este prevalece Tema: Amor | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qui Out 08, 2009 9:46 pm | |
| O Constante Diálogo
Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado o semelhante o diferente o indiferente o oposto o adversário o surdo-mudo o possesso o irracional o vegetal o mineral o inominado
Diálogo consigo mesmo com a noite os astros os mortos as ideias o sonho o passado o mais que futuro
Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra ou teu melhor silêncio. Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Sex Out 09, 2009 4:23 pm | |
| Citações de Carlos Drummond de Andrade:
Perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes Tema: Tempo
A educação para o sofrimento, evitaria senti-lo, em relação a casos que não o merecem Tema: Sofrimento
A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas Tema: Amizade
A confiança é um acto de fé, e esta dispensa raciocínio Tema: Confiança
A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede Tema: Literatura
As dificuldades são o aço estrutural que entra na construção do carácter Tema: Carácter
Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons Tema: Felicidade | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Sáb Out 10, 2009 12:05 am | |
| A Palavra Mágica
Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. Como desencantá-la? É a senha da vida a senha do mundo. Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira no mundo todo. Se tarda o encontro, se não a encontro, não desanimo, procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura ficará sendo minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Sáb Out 10, 2009 10:43 pm | |
| O Novo Homem
O homem será feito em laboratório. Será tão perfeito como no antigório. Rirá como gente, beberá cerveja deliciadamente. Caçará narceja e bicho do mato. Jogará no bicho, tirará retrato com o maior capricho. Usará bermuda e gola roulée. Queimará arruda indo ao canjerê, e do não-objecto fará escultura. Será neoconcreto se houver censura. Ganhará dinheiro e muitos diplomas, fino cavalheiro em noventa idiomas. Chegará a Marte em seu cavalinho de ir a toda parte mesmo sem caminho. O homem será feito em laboratório muito mais perfeito do que no antigório. Dispensa-se amor, ternura ou desejo. Seja como for (até num bocejo) salta da retorta um senhor garoto. Vai abrindo a porta com riso maroto: «Nove meses, eu? Nem nove minutos.» Quem já concebeu melhores produtos? A dor não preside sua gestação. Seu nascer elide o sonho e a aflição. Nascerá bonito? Corpo bem talhado? Claro: não é mito, é planificado. Nele, tudo exacto, medido, bem posto: o justo formato, o standard do rosto. Duzentos modelos, todos atraentes. (Escolher, ao vê-los, nossos descendentes.) Quer um sábio? Peça. Ministro? Encomende. Uma ficha impressa a todos atende. Perdão: acabou-se a época dos pais. Quem comia doce já não come mais. Não chame de filho este ser diverso que pisa o ladrilho de outro universo. Sua independência é total: sem marca de família, vence a lei do patriarca. Liberto da herança de sangue ou de afecto, desconhece a aliança de avô com seu neto. Pai: macromolécula; mãe: tubo de ensaio, e, per omnia secula, livre, papagaio, sem memória e sexo, feliz, por que não? pois rompeu o nexo da velha Criação, eis que o homem feito em laboratório sem qualquer defeito como no antigório, acabou com o Homem. Bem feito.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Versiprosa' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Dom Out 11, 2009 7:13 pm | |
| Os Velhos
Todos nasceram velhos - desconfio. Em casas mais velhas que a velhice, em ruas que existiram sempre - sempre assim como estão hoje e não deixarão nunca de estar: soturnas e paradas e indeléveis mesmo no desmoronar do Juízo Final. Os mais velhos têm 100, 200 anos e lá se perde a conta. Os mais novos dos novos, não menos de 50 - enorm'idade. Nenhum olha para mim. A velhice o proíbe. Quem autorizou existirem meninos neste largo municipal? Quem infrigiu a lei da eternidade que não permite recomeçar a vida? Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade de ser também um velho desde sempre. Assim conversarão comigo sobre coisas seladas em cofre de subentendidos a conversa infindável de monossílabos, resmungos, tosse conclusiva. Nem me vêem passar. Não me dão confiança. Confiança! Confiança! Dádiva impensável nos semblantes fechados, nos felpudos redingotes, nos chapéus autoritários, nas barbas de milénios. Sigo, seco e só, atravessando a floresta de velhos.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Dom Out 11, 2009 11:13 pm | |
| Citações de Carlos Drummond de Andrade:
Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade Tema: Felicidade
Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo Tema: Homem
Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar Tema: Igualdade
Há muitas razões para duvidar e uma só para crer Fonte: "O Avesso das Coisas" Tema: Crença
Para a virtude da discrição, ou de modo geral qualquer virtude, aparecer em seu fulgor, é necessário que faltemos à sua prática Fonte: "Fala, Amendoeira" Tema: Discrição
É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler, do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa Fonte: "Passeios na Ilha" Tema: Elogio
Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira Fonte: "Passeios na Ilha" Tema: Escrita | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Ter Out 13, 2009 11:12 pm | |
| Briga
Brigar é simples. Chame-se covarde ao contendor. Ele olhe nos olhos e: - Repete. Repita-se: - Covarde. Então ele recite, resoluto: - Puta que pariu. - A sua, fio da puta.
Cessem as palavras. Bofetão. Articulem-se os dois no braço a braço. Soco de lá soco de cá pontapé calço rasteira unha, dente, sérios, aplicados na honra de lutar: um corpo só de dois que se embolaram.
Dure o tempo que durar a resistência de um. Não desdoura apanhar, mas que se cumpra a lei da briga, simples.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qua Out 14, 2009 11:42 pm | |
| Dois Rumos
Mentir, eis o problema: minto de vez em quando ou sempre, por sistema?
Se mentir todo dia, erguerei um castelo em alta serrania
contra toda escalada, e mais ninguém no mundo me atira seta ervada?
Livre estarei, e dentro de mim outra verdade rebrilhará no centro?
Ou mentirei apenas no varejo da vida, sem alívio de penas,
sem suporte e armadura ante o império dos grandes, frágil, frágil criatura?
Pensarei ainda nisto. Por enquanto não sei se me exponho ou resisto,
se componho um casulo e nele me agasalho, tornando o resto nulo,
ou adiro à suposta verdade contingente que, de verdade, mente.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qui Out 15, 2009 10:48 pm | |
| Citações de Carlos Drummond de Andrade:
Cem máximas que resumissem a sabedoria universal tornariam dispensáveis os livros Fonte: "O Avesso das Coisas" Tema: Máximas
Não é fácil ter paciência diante dos que têm excesso de paciência Fonte: "O Avesso das Coisas" Tema: Paciência
Partido político é um agrupamento de cidadãos para defesa abstracta de princípios e elevação concreta de alguns cidadãos Fonte: "O Avesso das Coisas" Tema: Partido (político)
Há certo gosto em pensar sozinho. É acto individual, como nascer e morrer Fonte: "Passeios na Ilha" Tema: Pensar
O progresso dá-nos tanta coisa que não nos sobra nada nem para pedir, nem para desejar, nem para jogar fora Fonte: "Passeios na Ilha" Tema: Progresso
A minha vontade é forte, mas a minha disposição em lhe obedecer é fraca Tema: Vontade
Não há como os bons sentimentos para estragarem um cidadão Fonte: "Passeios na Ilha" Tema: Sentimento | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Sex Out 16, 2009 8:33 pm | |
| Certas Palavras
Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, actos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Dom Out 18, 2009 1:02 pm | |
| Irmão, Irmãos
Cada irmão é diferente. Sozinho acoplado a outros sozinhos. A linguagem sobe escadas, do mais moço, ao mais velho e seu castelo de importância. A linguagem desce escadas, do mais velho ao mísero caçula.
São seis ou são seiscentas distâncias que se cruzam, se dilatam no gesto, no calar, no pensamento? Que léguas de um a outro irmão. Entretanto, o campo aberto, os mesmos copos,
o mesmo vinhático das camas iguais. A casa é a mesma. Igual, vista por olhos diferentes?
São estranhos próximos, atentos à área de domínio, indevassáveis. Guardar o seu segredo, sua alma, seus objectos de toalete. Ninguém ouse indevida cópia de outra vida.
Ser irmão é ser o quê? Uma presença a decifrar mais tarde, com saudade? Com saudade de quê? De uma pueril vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre?
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Ter Out 20, 2009 8:49 pm | |
| As Sem Razões do Amor
Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo bastante ou de mais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qua Out 21, 2009 8:30 pm | |
| Para o Sexo a Expirar
Para o sexo a expirar eu me volto, expirante, raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo. Amor, amor, amor - o braseiro radiante que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.
Pobre carne senil, vibrando insatisfeita, a minha se rebela ante a morte anunciada. Quero sempre invadir essa vereda estreita onde o gozo maior me propicia a amada.
Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo quem sabe? enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer antes que, deliciosa, a exploração acabe.
Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo, e assim possa eu partir, em plenitude o ser, de sémen aljofrando o irreparável ermo.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qui Out 22, 2009 10:57 pm | |
| A Castidade com que Abria as Coxas
A castidade com que abria as coxas e reluzia a sua flora brava. Na mansuetude das ovelhas mochas, e tão estrita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida, sepultura na grama, sem dizeres. Em minha ardente substância esvaída, eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão, primeiro gesto nu ante a primeira negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão. E nem restava mais o mundo, à beira dessa moita orvalhada, nem destino.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Sáb Out 24, 2009 8:51 pm | |
| Sob o Chuveiro Amar
Sob o chuveiro amar, sabão e beijos, ou na banheira amar, de água vestidos, amor escorregante, foge, prende-se, torna a fugir, água nos olhos, bocas, dança, navegação, mergulho, chuva, essa espuma nos ventres, a brancura triangular do sexo - é água, esperma, é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Dom Out 25, 2009 9:39 pm | |
| O Chão é Cama para o Amor Urgente
O chão é cama para o amor urgente, amor que não espera ir para a cama. Sobre tapete ou duro piso, a gente compõe de corpo e corpo a húmida trama.
E para repousar do amor, vamos à cama.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Ter Out 27, 2009 10:47 pm | |
| O que se Passa na Cama
O que se passa na cama é segredo de quem ama.
É segredo de quem ama não conhecer pela rama gozo que seja profundo, elaborado na terra e tão fora deste mundo que o corpo, encontrando o corpo e por ele navegando, atinge a paz de outro horto, noutro mundo: paz de morto, nirvana, sono do pénis.
Ai, cama, canção de cuna, dorme, menina, nanana, dorme a onça suçuarana, dorme a cândida vagina, dorme a última sirena ou a penúltima... O pénis dorme, puma, americana fera exausta. Dorme, fulva grinalda de tua vulva. E silenciem os que amam, entre lençol e cortina ainda húmidos de sémen, estes segredos de cama.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Sex Out 30, 2009 10:29 pm | |
| O Amor Antigo
O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza.
Se em toda a parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Dom Nov 01, 2009 1:36 pm | |
| O Tempo Passa? Não Passa
O tempo passa? Não passa no abismo do coração. Lá dentro, perdura a graça do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima cada vez mais, nos reduz a um só verso e uma rima de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido nem tempo a economizar. O tempo é todo vestido de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada, transcendem qualquer medida. Além do amor, não há nada, amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário tanto o ontem como o agora, e o teu aniversário é um nascer toda a hora.
E nosso amor, que brotou do tempo, não tem idade, pois só quem ama escutou o apelo da eternidade.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qua Nov 04, 2009 11:14 pm | |
| Destruição
Os amantes se amam cruelmente e com se amarem tanto não se vêem: Um se beija no outro, reflectido. Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados pelo mimo de amar: e não percebem quanto se pulverizam no enlaçar-se, e como o que era mundo volve a nada.
Nada, ninguém. Amor, puro fantasma que os passeia de leve, assim a cobra se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre. Deixaram de existir, mas o existido continua a doer eternamente.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Ter Nov 10, 2009 11:11 pm | |
| Inquérito
Pergunta às árvores da rua que notícia têm desse dia filtrado em betume da noite; se por acaso pressentiram nas aragens conversadeiras, ágil correio do universo, um calar mais informativo que toda grave confissão.
Pergunta aos pássaros, cativos do sol e do espaço, que viram ou bicaram de mais estranho, seja na pele das estradas seja entre volumes suspensos nas prateleiras do ar, ou mesmo sobre a palma da mão de velhos profissionais de solidão.
Pergunta às coisas, impregnadas de sono que precede a vida e a consuma, sem que a vigília intermédia as liberte e faça conhecedoras de si mesmas, que prisma, que diamante fluido concentra mil fogos humanos onde era ruga e cinza e não.
Pergunta aos hortos que segredo de clepsidra, areia e carocha se foi desenrolando, lento, no calado rumo do infante a divagar por entre símbolos de símbolos outros, primeiros, e tão acessíveis aos pobres como a breve casca do pão.
Pergunta ao que, não sendo, resta perfilado à porta do tempo, aguardando vez de possível; pergunta ao vago, sem propósito de captar maiores certezas além da vaporosa calma que uma presença imaginária dá aos quartos do coração.
A ti mesmo, nada perguntes.
Carlos Drummond de Andrade, in 'A Vida Passada a Limpo' | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO Qui Nov 12, 2009 12:18 am | |
| Véspera
Amor: em teu regaço as formas sonham o instante de existir: ainda é bem cedo para acordar, sofrer. Nem se conhecem os que se destruirão em teu bruxedo.
Nem tu sabes, amor, que te aproximas a passo de veludo. És tão secreto, reticente e ardiloso, que semelhas uma casa fugindo ao arquitecto.
Que presságios circulam pelo éter, que signos de paixão, que suspirália hesita em consumar-se, como flúor, se não a roça enfim tua sandália?
Não queres morder célere nem forte. Evitas o clarão aberto em susto. Examinas cada alma. É fogo inerte? O sacrifício há de ser lento e augusto.
Então, amor, escolhes o disfarce. Como brincas (e és sério) em cabriolas, em risadas sem modo, pés descalços, no círculo de luz que desenrolas!
Contempla este jardim: os namorados, dois a dois, lábio a lábio, vão seguindo de teu capricho o hermético astrolábio, e perseguem o sol no dia findo.
E se deitam na relva; e se enlaçando num desejo menor, ou na indecisa procura de si mesmos, que se expande, corpóreos, são mais leves do que brisa.
E na montanha-russa o grito unânime é medo e gozo ingénuo, repartido em casais que se fundem, mas sem flama, que só mais tarde o peito é consumido.
Olha, amor, o que fazes desses jovens (ou velhos) debruçados na água mansa, relendo a sem-palavra das estórias que nosso entendimento não alcança.
Na pressa dos comboios, entre silvos, carregadores e campainhas, rouca explosão de viagem, como é lírico o batom a fugir de uma a outra boca.
Assim teus namorados se prospectam: um é mina do outro; e não se esgota esse ouro surpreendido nas cavernas de que o instinto possui a esquiva rota.
Serão cegos, autómatos, escravos de um deus sem caridade e sem presença? Mas sorriem os olhos, e que claros gestos de integração, na noite densa!
Não ensaies de mais as tuas vítimas, ó amor, deixa em paz os namorados Eles guardam em si, coral sem ritmo, os infernos futuros e passados.
Carlos Drummond de Andrade, in 'A Vida Passada a Limpo' | |
| | | Conteúdo patrocinado
| Assunto: Re: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO | |
| |
| | | | CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - O POETA FARMACEUTICO | |
|
Tópicos semelhantes | |
|
| Permissões neste sub-fórum | Não podes responder a tópicos
| |
| |
| |