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 VISCONTI, DO NEOREALISMO AO DECANDENTISMO...

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MensagemAssunto: VISCONTI, DO NEOREALISMO AO DECANDENTISMO...   VISCONTI, DO NEOREALISMO AO DECANDENTISMO... EmptySex Fev 05, 2010 11:15 pm

Visconti, do neorealismo ao decadentismo - I

Lucchino Visconti, morto em 1976, foi um dos poucos cineastas do século 20 que conseguiu erguer o cinema dos níveis do entretenimento à grande arte. Universalmente reconhecido, sempre foi um homem de talentos múltiplos, renascentistas, que iam do domínio da música clássica até um detalhado e erudito conhecimento da história da literatura e dos costumes. Sem omitir-se a sua capacidade de conduzir, como um verdadeiro maestro, grande atores e atrizes e o controle cênico que sempre demonstrou ter, em mais de 40 anos de atividade artística. Sua carreira de diretor deu-se nos começos dos anos quarenta, quando alinhou-se entre os precursores do neorealismo italiano, encerrando sua trajetória, em 1976 mesmo, como o principal cronista da decadência do patriciado europeu.

Uma Itália em ruínas

Entrando na Segunda Guerra Mundial em 1940 - quando o ditador fascista Benito Mussolini decidira acompanhar a Alemanha Nazista -, três anos depois a Itália viu-se invadida pelas forças aliadas anglo-saxãs que, desembarcadas na Sicília em 1943, rapidamente dominaram a metade do país. Os aliados alemães, por sua vez, desconfiados da fidelidade do exército italiano, rapidamente ocuparam a metade norte da península, transformando a acidentalidade dos Montes Apeninos numa enorme trincheira natural para as suas tropas. Uma longa e morosa guerra então estendeu-se ainda por dois anos em seu território, até que ocorreu a capitulação final do nazi-fascismo, em maio de 1945. Mussolini morto, um país em ruínas habitado por um povo faminto, foi isso o que restou do sonho de uma Itália Imperial. Não era de estranhar-se que o filme italiano de então, empobrecido pela vicissitudes da guerra, refletisse uma estética da miséria, nascendo com ele o movimento neorealista (expressão cunhada pelo crítico Umberto Bárbaro, na Revista Il Film, de 1943).

Os primeiros anos de Visconti

Filho da aristocracia lombarda, Visconti, que nascera em Milão em 1906, teve, à instância da mãe, uma educação voltada para a arte. Diga-se que já a trazia no sangue, por assim dizer, visto que o seu avô materno fora um dos fundadores do La Scala, a maior casa de Óperas da Itália e uma das mais respeitadas e famosas da Europa. Nos anos trinta, espirrando-se para fora do clima opressivo e machista da Itália fascista, Visconti, que era homossexual, deu para circular em Paris pelas mãos da estilista Coco Chanel. Ela não só instruí-o nas noções básicas do figurinismo como o apresentou a Jean Cocteau, um dos mais famosos cineastas franceses e ativo agitador cultural na época da Frente Nacional. O mundo da moda e o cinema entraram em sua vida assim, simultaneamente. De volta à Itália, engajou-se entre os simpatizantes da resistência antifascista, liderada pelos comunistas e pelos partisans, os guerrilheiros de esquerda. Foi preso e torturado, mas escapou da morte por meio de uma fuga espetacular. Este foi o clima em que ele dirigiu o seu primeiro filme: Ossessione (Obsessão, 1943), que veio a tornar-se um dos pioneiros do cinema neorealista italiano.

O neorealismo italiano

Na dialética da cinematografia italiana, o neorealismo, um realismo cru, intransigente, despido de qualquer fantasia ou transcendência que não fosse as ligadas pelo sentimento, oscilando entre o sofrimento e a esperança, filmado sempre em preto&branco, surgiu na década de 1940, de certo modo, como o oposto às fantasias fascistas. Estas sempre girando ao redor do homem heróico, do tipo do brutamontes Maciste (como a refilmagem de Maciste all'inferno, de Brignone),que nada mais eram do que variações estilizadas do próprio Mussolini, visto como um super-homem. Fellini, contemporâneo de Visconti, ao seu modo, ironizou-lhe o tipo no filme La Strada, de 1954 (o saltimbanco Zampano, um forçudo de feira-livre, metáfora da decadência do Maciste). Visconti seguirá dando sua contribuição ao movimento dirigindo ainda a La terra trema (a Terra Treme, 1948), Belissima (Belíssima, 1952), filmes fiéis a estética da miséria que era a marca registrada do movimento, que tem um dos seus marcos com o filme de Rosselini Roma città aberta, de 1945, dramática e exemplar narrativa dos últimos dias da ocupação nazista da capital italiana.
Os atores da época do neorealismo, em geral, eram amadores, escolhidos em meio ao povo do lugarejo ou do bairro em que filmavam. Tratava-se de histórias comuns, envolvendo uma gente qualquer: pescadores, trabalhadores, diaristas, desempregados, lavadeiras, lavradoras, habitantes de ilhas remotas, de lugarejos perdidos, o povo do subúrbio. Os anti-heróis por excelência, ou heróis anônimos, personagens singelos, toscos, de traços rudes, mostrados sem nenhum amparo da maquiagem ou dos favores da luz, mas que atraiam e comoviam o público por suas histórias candentes de luta pela sobrevivência em ambientes hostis. Tudo se passava ao ar livre, visto que a Cinecittà, a cidade do cinema que o regime erguera em Roma em 1936 (o seu slogan era “A cinematografia é a arma mais forte”), para fazer filmes, estava inutilizada, repleta de refugiados de guerra. Além disso, dessas dificuldades materiais, nos roteiros neorealistas havia um transfundo ideológico esquerdista, preocupado em mostrar a “cara do povo”. Quase um documentário sem retoques para sensibilizar as platéias burguesas com aquele rosário sem fim de carências, padecimentos e dificuldades.
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MensagemAssunto: Re: VISCONTI, DO NEOREALISMO AO DECANDENTISMO...   VISCONTI, DO NEOREALISMO AO DECANDENTISMO... EmptyDom Fev 07, 2010 4:39 pm

Visconti, do neorealismo ao decadentismo - II

A mudança

A filmografia italiana do após-guerra sofreu uma impressionante alteração a partir de 1959 com o La Dolce Vita, de Federico Fellini, sucesso mundano internacional. Os personagens pobres e os atores amadores começam a rarear nos filmes da década de sessenta. O país, com o dinheiro do Plano Marshall, saíra da indigência material, saltando para uma situação de bem estar desconhecido. A prosperidade da Itália datou e sepultou o neorealismo. Visconti ainda realiza o seu derradeiro filme proletário encenando Rocco ei suoi fratelli, (“Roco e seus irmãos”, 1960), a tragédia de uma família de imigrantes sicilianos, recém-chegados a Milão. Entrementes, Anna Magnani, a musa do neorealismo, rosto vincado por dores e lágrimas, cede seu espaço no écran para a refinada Silvana Mangano, de beleza clássica grega, ela também vinda do neorealismo, mas que apresenta-se em nova figuração. Será uma das eleitas de Visconti na sua trajetória rumo à temática do decadentismo, quando ele volta a assumir a identidade com que nascera: a do Conde Luchino Visconti de Modrone.

Inspirado na Gesamtskunstwerke de Richard Wagner (a concepção de uma arte total, sincrônica, que abrace o teatro, o cenarismo magnifico, detalhista, perfeccionista, estonteante, a música e o libreto), Visconti dedica-se a ser o painelista-mor do eclipse social e moral do patriciado europeu, uma espécie de Miguel Ângelo do século XX, preocupado em estetizar a “queda dos Deuses”, isto é crise da aristocracia e da grande burguesia oitocentista européia. Tarefa que, depois da experiência de Saso, filme que se passa na época da libertação nacional italiana, ele dá andamento com a filmagem de Il Gattopardo (O Leopoardo, 1963). Baseado na novela do siciliano Giuseppe di Lampedusa, é a crônica do fim de uma era, o do domínio senhorial do Principe Salinas e da sua família sobre o seu feudo na Sicília.

A trilogia tedesca

Herdeiro das artes plásticas e da extraordinária tradição operística italiana, rompendo com seus vínculos com o neo-realismo, Visconti pôs-se a erguer o seu imenso mural do declínio de uma classe. Tornou-se um gigante em meio a cinematografia mundial, dando seus largos passos quase que solitário em querer fazer do cinema uma arte maior, empregando um esmero na reconstrução das épocas até então sem paralelo na história dos espetáculos para melhor expressar a atmosfera refinada e sofisticada. Algo como jamais havia sido visto na dimensão de uma tela de cinema.
Em seguida, ao ter reproduzido o estertor da vida respeitável e mundana do Principe Salinas (Il Gattopardo, 1963), ele dedicou-se a chamada “trilogia tedesca”(La caduta degli dei, 1969; Morte a Venezia, 1971: Ludwig, 1973), um impressionante tríptico que cobre a história da Alemanha desde a ascensão ao trono do rei Ludwig II da Bavária, em 1863, até os princípios do colapso da elite industrial germânica (a família do barão do aço Von Essenbeck) quando ela aderiu ao nazismo nos anos trinta. No meio desta jornada, ele dedica-se, com o esmero de sempre, a fazer um retrato patético e devastador de um grande músico germânico(Aschenbach) que, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, solitário, refugia-se na praia do Lido em Veneza, fora da estação de veraneio, para ter seu encontro final com a beleza e com a morte. Os cenários, sensacionais, de cor e beleza poucas vezes vistas, reproduzem a atmosfera dos castelos que Ludwig mandou erguer em Linderhof (incluindo a luxuriante Gruta de Vênus), Neuschwanstein, Hohenschwangau e Herrenchiemsee, como depois ele irá fazer com as ruelas, pontes e canais de uma Veneza imóvel, assediada pela cólera, contrastando com as magnificas e confortáveis instalações do Hotel do Lido, onde morreu Aschenbach. A associação do luxo com a decadência fazem parte da sua retórica de marxismo adamado.

Os cavaleiros do apocalipse de Visconti

Nos seus outros dois filmes, um refinado professor, colecionador de retratos familiares do século XVIII (Gruppo di famiglia in um interno, 1974), um símbolo ainda vivo de um humanismo decadente, adota com sendo sua um estranho grupo familiar, liderado por um condessa romana, seu jovem amante, sua filha e o namorado. No outro (L´Innocente, 1976), seu filme derradeiro, inspirado numa novela de D´Anunzzio, é a destruição, pela morte propositada de um inocente, da possibilidade de vir constituir uma família é o que move Tullio, o personagem central. É um desfilar de gente refinada, muito bem vestida, cercada por trajes, objetos, móveis e cenários deslumbrantes, mas que se encontra ferida de morte, vitimada pelas paixões despertadas pelo nacionalismo europeu (garibaldino no caso do Principe Salinas, bismarckiano no que toca a Ludwig, ou nacional-socialista para os Essenbeck); pelas guerras que se aproximam (a da unificação italiana, a primeira e a Segunda guerra mundial), e deixando-se dominar e corroer pelas perversões sexuais (pedofilia, o voyerismo, a pederastia ou incesto), sintoma da sua esterilização, segundo Visconti. A tais cavaleiros do apocalipse (nacionalismo, guerra e perversões) ele acrescenta um quarto, que é a vulgaridade dos tempos modernos que invade e sufoca a elite por todos os lados. O afresco viscontiano revela a contradição, tipicamente decadentista, entre um ambiente dominado pelo tédio, luxo e requinte, onde se movem seus personagens, e a percepção deles de uma ausência de futuro, daí a lassidão e a morte estarem sempre presentes. Admirador de Thomas Mann, de Dostoievski, ele ainda pensou em levar Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust ao cinema. Infelizmente, a queda final do patriciado francês terminou por ficar de fora desse magnífico, monumental e trágico relato sobre a vida daqueles que, até um ano antes da Segunda Guerra Mundial, eram universalmente vistos como os senhores do mundo.
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