| ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Dez 07, 2009 9:53 pm | |
| José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos,mais conhecido por Zeca Afonso, nasceu em Aveiro a 2 de Agosto de 1929 e morreu em Setúbal a 23 de Fevereiro de 1987, foi compositor de música de intervenção portuguesa.
"... Zeca Afonso vai para Coimbra em 1940 e começa a cantar por volta do quinto ano no Liceu D. João III. Os tradicionalistas reconheciam-no como um bicho que canta bem. Inicia-se em serenatas e canta em «festarolas de aldeia». O fado de Coimbra, lírico e tradicional, era principalmente interpretado por si. Os meios sociais miseráveis do Porto, no Bairro do Barredo, inspiraram-lhe para a sua balada «Menino do Bairro Negro». Em 1958, José Afonso grava o seu primeiro disco "Baladas de Coimbra". Grava também, mais tarde, "Os Vampiros" que, juntamente com "Trova do Vento que Passa" (um poema de Manuel Alegre, musicado e cantado por Adriano Correia de Oliveira) se torna um dos símbolos de resistência antifascista da época. Foi neste período (1958-1959) professor de Francês e de História na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.
Em 1964, parte novamente para Moçambique, onde foi professor de Liceu, desenvolvendo uma intensa actividade anticolonialista o que lhe começa a causar problemas com a polícia política pela qual será, mais tarde, detido várias vezes. Quando regressa a Portugal, é colocado como professor em Setúbal, mas, devido ao seu activismo contra o regime, é expulso do ensino e, para sobreviver, dá explicações e grava o seu primeiro álbum, "Baladas e Canções" em 1967. Entre 1967 e 1970, Zeca Afonso torna-se um símbolo da resistência democrática. Mantém contactos com a LUAR e o PCP o que lhe custará várias detenções pela PIDE. Continua a cantar e participa, em 1969, no 1º Encontro da "Chanson Portugaise de Combat", em Paris e grava também o LP "Cantares do Andarilho", recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo melhor disco do ano, e o prémio da melhor interpretação. Zeca Afonso passa a ser tratado nos jornais pelo anagrama Esoj Osnofa em virtude de ser alvo de censura.
Em 1971, edita "Cantigas do Maio", no qual surge" Grândola Vila Morena", que será mais tarde imortalizada como um dos símbolos da revolução de Abril. Zeca participa em vários festivais, sendo também publicado um livro sobre ele e lança o LP "Eu vou ser como a toupeira". Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava o álbum "Venham mais cinco". Após a Revolução dos Cravos continua a cantar, grava o LP "Coro dos tribunais" e participa em numerosos "cantos livres". A sua intervenção política não pára, tornou-se um admirador do período do PREC e em 1976 apoia Otelo Saraiva de Carvalho na sua candidatura à presidência da república.
Os seus últimos espectáculos decorrem nos Coliseus de Lisboa e do Porto, em 1983, quando Zeca Afonso já se encontrava doente. No final deste ano, é-lhe atribuida a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa (mais tarde, em 1994, é feita nova tentativa a título póstumo, mas a sua mulher recusa, dizendo que, se o marido a não tinha aceitado em vida, não seria depois de morto que a iria receber). Em 1985 é editado o seu último álbum de originais, "Galinhas do Mato", em que, devido ao avançado estado da doença, José Afonso não conseque cantar a totalidade das canções.
Em 1986, já em fase terminal da sua doença, apoia a candidatura de Maria de Lurdes Pintassilgo à presidência da república. José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrópica. Será certamente recordado como um resistente que conseguiu trazer a palavra de protesto antifascista para a música popular portuguesa e também pelas suas outras músicas, de que são exemplo as suas baladas." | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Dez 07, 2009 9:56 pm | |
| Menina Dos Olhos Tristes
Menina dos olhos tristes o que tanto a faz chorar o soldadinho não volta do outro lado do mar
Vamos senhor pensativo olhe o cachimbo a apagar o soldadinho não volta do outro lado do mar
Senhora de olhos cansados porque a fatiga o tear o soldadinho não volta do outro lado do mar
Anda bem triste um amigo uma carta o fez chorar o soldadinho não volta do outro lado do mar
A lua que é viajante é que nos pode informar o soldadinho já volta está mesmo quase a chegar
Vem numa caixa de pinho do outro lado do mar desta vez o soldadinho nunca mais se faz ao mar
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Qua Dez 09, 2009 4:01 pm | |
| Contos Velhinhos
Contos velhinhos de amor numa noite branca e fria tantos trago para contar são pétalas duma flor desfolhadas ao luar contos velhinhos de amor numa noite branca e fria tantos trago para contar
Contos velhinhos os meus são contos iguais a tantos que tantos já nos contaram são saudades de um adeus de sonhos que já passaram contos velhinhos os meus são contos iguais a tantos que tantos já nos contaram
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Qui Dez 10, 2009 4:46 pm | |
| No lago do Breu
No lago do Breu, Sem luzes no céu nem bom Deus Que venha abrasar os ateus, No lago do Breu.
No lago do Breu, A noite não vem sem sinais Que fazem tremer os mortais, No lago do Breu. Mas quem não for mau, não vá Que o céu não se comprará Não vejo a razão p'ro ser Quem teme e não quer viver Sem luzes no céu só mesmo como eu No lago do Breu.
No lago do Breu, Os dedos da noite vão juntos Para amortalhar os defuntos, No lago do Breu.
No lago do Breu, A lua nasceu mas ninguém Pergunta quem vai ou quem vem No lago do Breu.
Mas quem não for mau, não vá Que o céu não se comprará Não vejo a razão p'ro ser Quem teme e não quer viver Sem luzes no céu só mesmo como eu, No lago do Breu.
No lago do Breu, Meninas perdidas eu sei, Mas só nestas vidas me achei, No lago do Breu.
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Sáb Dez 12, 2009 12:59 am | |
| Alegria da Criação
Plantei a semente da palavra Antes da cheia matar o meu gado Ensinei ao meu filho a lavra e a colheita num terreno ao lado
A palavra rompeu Cresceu como a baleia No silêncio da noite à lua cheia Vi mudar estações soprar a ventania Brilhar de novo o sol sobre a baía
Fui um bom engenheiro um bom castor Amei a minha amada com amor De nada me arrependo só a vida Me ensinou a cantar esta cantiga
Feiticeira Mãe de todos nós Flor da espiga Maldita para tiranos Amorosa te louvamos tens mais de um milhão de anos Rapariga
Quando o lume nos aquece No grande frio de Inverno Vem até nós uma prece Que assim de longe parece Uma cantiga
Magistrada Nossa natural Vitoriosa Curandeira dos aflitos Amante de mil maridos Há mais de um milhão de idos tormentosa
Quando a fera encarcerada Que dentro de nós suplanta Quebra a gaiola sozinha Voa voa endiabrada Uma andorinha
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Dom Dez 13, 2009 3:29 pm | |
| A Morte saiu à rua
A morte saiu à rua num dia assim Naquele lugar sem nome pra qualquer fim Uma gota rubra sobre a calçada Cai E um rio de sangue dum peito aberto sai
O vento que dá nas canas do canavial E a foice duma ceifeira de Portugal E o som da bigorna como um clarim do céu Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu
Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual Só olho por olho e dente por dente vale À lei assassina à morte que te matou Teu corpo pertence à terra que te abraçou
Aqui te afirmamos dente por dente assim Que um dia rirá melhor quem rirá por fim Na curva da estrada há covas feitas no chão E em todas florirão rosas duma nação
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Dez 14, 2009 9:54 pm | |
| Endechas a Bárbara escrava
Aquela cativa Que me tem cativo, Porque nela vivo Já não quer que viva. Eu nunca vi rosa Em suaves molhos, Que pera meus olhos Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores, Nem no céu estrelas Me parecem belas Como os meus amores. Rosto singular, Olhos sossegados, Pretos e cansados, Mas não de matar.
Uma graça viva, Que neles lhe mora, Pera ser senhora De quem é cativa. Pretos os cabelos, Onde o povo vão Perde opinião Que os louros são belos.
Pretidão de Amor, Tão doce a figura, Que a neve lhe jura Que trocara a cor. Leda mansidão, Que o siso acompanha; Bem parece estranha, Mas bárbara não.
Presença serena Que a tormenta amansa; Nela, enfim, descansa Toda a minha pena. Esta é a cativa Que me tem cativo; E pois nela vivo, É força que viva.
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Qua Dez 16, 2009 11:03 pm | |
| Avenida de Angola
Dum botão de branco punho Dum braço de fora preto Vou pedir contas ao mundo Além naquele coreto
Lá vai um a lá vão duas Três pombas a descansar Uma é minha outra é tua Outra é de quem n'a agarrar
Na sala há cinco meninas E um botão de sardinheira Feitas de fruta madura Nos braços duma rameira
Lá vai uma lá vão duas...
O Sol é quem faz a cura Com alfinete de dama Na sala há cinco meninas Feitas duma capulana
Lá vai uma lá vão duas...
Quando a noite se avizinha Do outro lado da rua Vem Ana, vem Serafina Vem Mariana, a mais pura
Lá vai uma lá vão duas...
Há sempre um botão de punho Num braço de fora preto Vou pedir contas ao mundo Além naquele coreto
Lá vai uma lá vão duas...
Ó noite das columbas Leva-as na tua algibeira Na sala há cinco meninas Feitas da mesma maneira
Lá vai uma lá vão duas...
(José Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Sáb Dez 19, 2009 4:49 pm | |
| Balada do Outono
Águas e pedras do rio Meu sono vazio Não vão acordar Águas das fontes calai Ó ribeiras chorai Que eu não volto a cantar
Rios que vão dar ao mar Deixem meus olhos secar Águas das fontes calai Ó ribeiras chorai Que eu não volto a cantar
Águas do rio correndo Poentes morrendo P'ras bandas do mar Águas das fontes calai Ó ribeiras chorai Que eu não volto a cantar
Rios que vão dar ao mar Deixem meus olhos secar Águas das fontes calai Ó ribeiras chorai Que eu não volto a cantar
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Dom Dez 20, 2009 5:18 pm | |
| Só ouve o brado da terra
Só ouve o brado da terra Quem dentro dela Veio a nascer Agora é que pinta o bago Agora é qu'isto vai aquecer
Cala-te ó clarim da morte Que a tua sorte Não hei-de eu querer Mal haja a noite assassina E quem domina Sem nos vencer
Cobrem-se os campos de gelo Já não se ouve O galo cantor Andam os lobos à solta Pega no teu Cajado, pastor
Homem de costas vergadas De unhas cravadas Na pele a arder É minha a tua canseira Mas há quem queira Ver-te sofrer
Anda ver o Deus banqueiro Que engana à hora e que rouba ao mês Há milhões no mundo inteiro O galinheiro é de dois ou três
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Dez 21, 2009 11:07 pm | |
| Canto moço
Somos filhos da madrugada Pelas praias do mar nos vamos À procura de quem nos traga Verde oliva de flor no ramo Navegamos de vaga em vaga Não soubemos de dor nem mágoa Pelas praias do mar nos vamos À procura de manhã clara
Lá do cimo de uma montanha Acendemos uma fogueira Para não se apagar a chama Que dá vida na noite inteira Mensageira pomba chamada Mensageira da madrugada Quando a noite vier que venha Lá do cimo de uma montanha
Onde o vento cortou amarras Largaremos p'la noite fora Onde há sempre uma boa estrela Noite e dia ao romper da aurora Vira a proa minha galera Que a vitória já não espera Fresca, brisa, moira encantada Vira a proa da minha barca.
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Qua Dez 23, 2009 5:05 pm | |
| Chamaram-me cigano
Chamaram-me um dia Cigano e maltês Menino, não és boa rés Abri uma cova Na terra mais funda Fiz dela a minha sepultura Entrei numa gruta Matei um tritão Mas tive o diabo na mão
Havia um comboio Já pronto a largar E vi O diabo a tentar Pedi-lhe um cruzado Fiquei logo ali Num leito de penas dormi Puseram-me a ferros Soltaram o cão Mas tive o diabo na mão
Voltei da charola de cilha e arnês Amigo, vem cá outra vez Subi uma escada Ganhei dinheirama Senhor D. Fulano Marquês Perdi na roleta Ganhei ao gamão Mas tive o diabo na mão
Ao dar uma volta Caí no lancil E veio o diabo a ganir Nadavam piranhas Na lagoa escura Tamanhas que nunca tal vi Limpei a viseira Peguei no arpão Mas tive o diabo na mão
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Qui Dez 24, 2009 7:54 pm | |
| O Comboio Descendente
No comboio descendente Vinha tudo à gargalhada. Uns por verem rir os outros E outros sem ser por nada No comboio descendente De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente Vinham todos à janela Uns calados para os outros E outros a dar-lhes trela No comboio descendente De Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente Mas que grande reinação! Uns dormnindo, outros com sono, E outros nem sim nem não No comboio descendente De Palmela a Portimão
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Dom Dez 27, 2009 2:26 pm | |
| Coro dos Caídos
Canta bichos da treva e da aparência Na absolvição por incontinência Cantai cantai no pino do inferno Em Janeiro ou em maio é sempre cedo Cantai cardumes da guerra e da agonia Neste areal onde não nasce o dia
Cantai cantai melancolias serenas Como o trigo da moda nas verbenas Cantai cantai guizos doidos dos sinos Os vossos salmos de embalar meninos Cantai bichos da treva e da opulência A vossa vil e vã magnificência
Cantai os vossos tronos e impérios Sobre os degredos sobre os cemitérios Cantai cantai ó torpes madrugadas As clavas os clarins e as espadas Cantai nos matadouros nas trincheiras As armas os pendões e as bandeiras
Cantai cantai que o ódio já não cansa Com palavras de amor e de bonança Dançai ó parcas vossa negra festa Sobre a planície em redor que o ar empesta Cantai ó corvos pela noite fora Neste areal onde não nasce a aurora
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Dez 28, 2009 10:47 pm | |
| Cantigas do Maio
Eu fui ver a minha amada lá prós lados dum jardim dei-lhe uma rosa encarnada para se lembrar de mim
Eu fui ver o meu benzinho lá prós lados dum paçal dei-lhe o meu lenço de linho que é do mais fino bragal
Minha mãe quando eu morrer ai chore por quem muito amargou para então dizer ao mundo ai Deus mo deu ai Deus mo levou
Eu fui ver uma donzela numa barquinha a dormir dei-lhe uma colcha de seda para nela se cobrir
Eu fui ver uma solteira numa salinha a fiar dei-lhe uma rosa vermelha para de mim se encantar
Minha mãe quando eu morrer ...
Eu fui ver a minha amada lä nos campos eu fui ver dei-lhe uma rosa encarnada para de mim se prender
Verdes prados verdes campos onde está minha paixão as andorinhas não param umas voltam outras não
Minha mãe quando eu morrer...
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Ter Dez 29, 2009 10:24 pm | |
| Eu vou ser como a toupeira
Eu vou ser como a toupeira Que esburaca Penitência, diz a hidra Quando há seca Eu vou ser como a gibóia Que atormenta Não há luz que não se veja Da charneca
E não me digas agora Estás à espera Penitência diz a hidra Quando há seca E se te enfias na toca És como ela
Quero-me à minha vontade Não na tua Ó hidra, diz-me a verdade Nua e crua Mais vale dar numa sargeja Que na mão De quem nos inveja a vida E tira o pão
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Sex Jan 01, 2010 2:51 pm | |
| Gastão era perfeito
Gastão era perfeito Conduzido por seu dono Em sanolências afeito Às picadas dos mosquitos
Era Gastão milionário Vivia em tapetes raros Se lhe viravam as costas Chamava logo a polícia
Em crises de malquerência Vinha-lhe o gosto pela soda Mas ninguém se abespinhava Que enviuvasse às ocultas
Nem Gastão se apercebia De quanto a vida o prendara Entre estiletes de prata E colchas de seda fina
Gastão era deste jeito Fazia provas reais Gastão era um parapeito De Papas e Cardeais
Vinha-lhe só por fastio Nos tiquetaques da vida Um solene desfastio Pela mãe que era entrevada
Mandava bombons recados Por mensageiros aflitos Não fora Gastão dos fracos E já seria ministro
Conheci-o em Alverca Num bidon de gasolina Tinha um pneu às avessas Mas de asma é que sofria
Nos solestícios de Junho A quem o quisesse ouvir Dizia que era sobrinho Do Fernão Peres de Trava
Querem saber de Gastão? Vão ao Palácio da Pena Usa agora capachinho E gosta de codornizes
Tem um sinal que o indica Como o mais forte Doutor Espeta o dedo no queixo E diz que é Nosso Senhor
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Dom Jan 03, 2010 10:44 pm | |
| Grândola Vila Morena
Grândola, vila morena Terra da fraternidade O povo é quem mais ordena Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade O povo é quem mais ordena Terra da fraternidade Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo Em cada rosto igualdade Grândola, vila morena Terra da fraternidade
Terra da fraternidade Grândola, vila morena Em cada rosto igualdade O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira Que já não sabia a idade Jurei ter por companheira Grândola a tua vontade
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Jan 04, 2010 11:41 pm | |
| O homem da gaita
Havia na terra Um homem que tinha Uma gaita bem de pasmar Se alguém a ouvia Fosse gente ou bicho Entrava na roda a dançar
Um dia passava Um sujeito e ao lado Um burro com louça a trotar O dono e o burro Ouvindo a tocata Puseram-se logo a bailar
Partiu-se a faiança Em cacos c'o a dança E o pobre pedia a gritar Ao homem da gaita Que acabasse a fita Mas nada ficou por quebrar
O Juiz de fora Chamado na hora "Só tenho que te condenar Mas quero uma prova Se é crime ou se é trova Faz lá essa gaita tocar"
O homem da louça Sentado na sala Levanta-se e põe-se a saltar Enquanto a rabeca Não se incomodava A sua cadeira era o par
Pulava o jurista De quico na crista Ninguém se atrevia A parar E a mãe entrevada Que estava deitada Levanta-se E põe-se a bailar
Vá de folia vá de folia Que há sete anos me não mexia
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Sex Jan 08, 2010 1:06 am | |
| Ronda das mafarricas
Estavam todas juntas Quatrocentas bruxas À espera À espera À espera da lua cheia
Estavam todas juntas Veio um chibo velho Dançar no adro Alguém morreu
Arlindo coveiro Com a tua marreca Leva-me primeiro Para a cova aberta
Arlindo Arlindo Bailador das fadas Vai ao pé coxinho Cava-me a morada
Arlindo coveiro Cava-me a morada Fecha-me o jazigo Quero campa rasa
Arlindo Arlindo Bailador das fadas Vai ao pé coxinho Cava-me a morada
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Seg Jan 11, 2010 10:53 pm | |
| Maria Faia
Eu não sei como te chamas oh Maria Faia nem que nome te hei-de eu pôr oh Maria Faia oh Faia Maria
Cravo não que tu és rosa oh Maria Faia Rosa não que tu és flor oh Maria Faia oh Faia Maria
Não te quero chamar cravo Que te estou a engrandecer Chamo-te antes espelho Onde espero de me ver
O meu abalou Deu-me uma linda despedida Abarcou-me a mão direita Adeus oh prenda querida
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Ter Jan 12, 2010 10:11 pm | |
| Menino de oiro
O meu menino é d'oiro É d'oiro fino Não façam caso que é pequenino O meu menino é d'oiro D'oiro fagueiro Hei-de levá-lo no meu veleiro.
Venham aves do céu Pousar de mansinho Por sobre os ombros do meu menino Do meu menino, do meu menino Venha comigo venham Que eu não vou só Levo o menino no meu trenó.
Quantos sonhos ligeiros p'ra teu sossego Menino avaro não tenhas medo Onde fores no teu sonho Quero ir contigo Menino de oiro sou teu amigo
Venham altas montanhas Ventos do mar Que o meu menino Nasceu p'r'amar Venha comigo venham Que eu não vou só Levo o menino no meu trenó.
O meu menino é d'oiro É d'oiro é de oiro fino ....
Venham altas montanhas Ventos do mar ....
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Qua Jan 13, 2010 10:15 pm | |
| Natal dos simples
Vamos cantar as janeiras Vamos cantar as janeiras Por esses quintais adentro vamos Às raparigas solteiras
Vamos cantar orvalhadas Vamos cantar orvalhadas Por esses quintais adentro vamos Às raparigas casadas
Vira o vento e muda a sorte Vira o vento e muda a sorte Por aqueles olivais perdidos Foi-se embora o vento norte
Muita neve cai na serra Muita neve cai na serra Só se lembra dos caminhos velhos Quem tem saudades da terra
Quem tem a candeia acesa Quem tem a candeia acesa Rabanadas pão e vinho novo Matava a fome à pobreza
Já nos cansa esta lonjura Já nos cansa esta lonjura Só se lembra dos caminhos velhos Quem anda à noite à ventura
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Sex Jan 15, 2010 9:21 pm | |
| Nefretite não tinha papeira
Nefretite não tinha papeira Tuthankamon apetite Já minha avó me dizia Olha que a sopa arrefece
Nos funerais de antanho As capicuas gritavam E às escuras na cozinha Já as galinhas dormiam
Manolo era o rei do fandango Do fandaguilho picado Maria se fores ao baile Leva o casaco castanho
O rei João era dos tesos Chamavam-lhe João dos Quintos Lá na terra brasileira Vinham quintais de Ouro Preto
Em suma a soma interessava A quem interessa algum dia De lingotes e pimentas Ainda vamos ao fundo
Lá para o reino da Arábia Havia amêndoas aos centos Que grande rebaldaria E a Palestina às escuras
Os Sheikes israelitas Já que estou com a mão na massa Lembram-me os Sheikes das fitas Que dão porrada a quem passa
(Zeca Afonso) | |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: ZECA AFONSO - O POETA DE ABRIL Ter Jan 19, 2010 11:05 pm | |
| Por Aquele Caminho
Por aquele caminho De alegria escrava Vai um caminheiro Com sol nas espáduas
Ganha o seu sustento De plantar o milho Aquece-o a chama De um poder antigo
Leva o solitário Sob os pés marcado Um rasto de sangue De sangue lavado
Levanta-se o vento Levanta-se a mágoa Soltam-se as esporas De uma antiga chaga
Mas tudo no rosto De negro nascido Indica que o negro É um espectro vivo
Quem lhe dá guarida Mostra-lhe a pintura Duma cor que valha Para a sepultura
Não de mão beijada Para que não viva Nele toda a raiva Dessa dor antiga
Falta ao caminheiro Dentro da algibeira Um grão de semente De outra sementeira
O sol vem primeiro Grande como um sino Pensa o caminheiro Que já foi menino
(Zeca Afonso) | |
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