| | FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO | |
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Autor | Mensagem |
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Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Seg Out 19, 2009 11:02 pm | |
| Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.
Antónia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não há assim lugar ao habitual regozijo de tais momentos. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A mãe morre algum tempo depois.
Tem infância sem falta de carinhos e a sua subsistência não será ensombrada por insuficiências que atingem muitas das crianças que nascem em circunstâncias semelhantes.
O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao "querido papá da sua alma" escreve que a "mamã" cuida dela e do mano "mas se tu morreres/ somos três desgraçados" .
Será acarinhada pelas duas madrastas, como revelará na sua própria correspondência.
Ingressa no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.
Não são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia. Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo, prenunciam o que virá depois.
Esta precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e outras tendências do designado "Modernismo", e que emergem como as grandes referências literárias da época. Das quais Florbela parecerá arredada.
Inicialmente sem dificuldades económicas, como deixa perceber. Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Publica vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.
Edita os seus primeiros livros, Livro de mágoas em 1919, e em 1923 Livro de Soror Saudade, onde incluirá grande parte da produção anterior.
Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.
Contrai matrimónio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efectuará. Do segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de Soror Saudade, titulo diferente do projectado e esquecendo a dedicatória.
Última edição por Anarca em Seg Out 19, 2009 11:06 pm, editado 1 vez(es) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Seg Out 19, 2009 11:04 pm | |
| Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou andando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!...
(Florbela Espanca) | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Ter Out 20, 2009 8:43 pm | |
| Citações de Florbela Espanca:
A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente Tema: Vida Se penetrássemos o sentido da vida seríamos menos miseráveis Tema: Vida É pensando nos homens que eu perdoo aos tigres as garras que dilaceram Tema: Homem A ironia é a expressão mais perfeita do pensamento Tema: Ironia Quem disser que pode amar alguém durante a vida inteira é porque mente Tema: Amor Tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade Tema: Palavra | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qua Out 21, 2009 8:28 pm | |
| O Maior Bem
Este querer-te bem sem me quereres, Este sofrer por ti constantemente, Andar atrás de ti sem tu me veres Faria piedade a toda a gente.
Mesmo a beijar-me a tua boca mente... Quantos sangrentos beijos de mulheres Pousa na minha a tua boca ardente, E quanto engano nos seus vãos dizeres!...
Mas que me importa a mim que me não queiras, Se esta pena, esta dor, estas canseiras, Este mísero pungir, árduo e profundo,
Do teu frio desamor, dos teus desdéns, É, na vida, o mais alto dos meus bens? É tudo quanto eu tenho neste mundo?
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qui Out 22, 2009 10:15 pm | |
| O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos, Frotas, pendões ao vento sobranceiros, Lindos versos de antigos romanceiros, Céus do Oriente, em brasa, como beijos,
Mares onde não cabem teus desejos; Passam no teu olhar mundos inteiros, Todo um povo de heróis e marinheiros, Lanças nuas em rútilos lampejos;
Passam lendas e sonhos e milagres! Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres, Em centelhas de crença e de certeza!
E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim, Amor, julgo trazer dentro de mim Um pedaço da terra portuguesa!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Sáb Out 24, 2009 8:50 pm | |
| Perdi os Meus Fantásticos Castelos
Perdi meus fantásticos castelos Como névoa distante que se esfuma... Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Quebrei as minhas lanças uma a uma!
Perdi minhas galeras entre os gelos Que se afundaram sobre um mar de bruma... - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? – Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
Perdi a minha taça, o meu anel, A minha cota de aço, o meu corcel, Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... Sobre o meu coração pesam montanhas... Olho assombrada as minhas mãos vazias...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Dom Out 25, 2009 9:37 pm | |
| Falo de Ti às Pedras das Estradas
Falo de ti às pedras das estradas, E ao sol que e louro como o teu olhar, Falo ao rio, que desdobra a faiscar, Vestidos de princesas e de fadas;
Falo às gaivotas de asas desdobradas, Lembrando lenços brancos a acenar, E aos mastros que apunhalam o luar Na solidão das noites consteladas;
Digo os anseios, os sonhos, os desejos Donde a tua alma, tonta de vitória, Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, Sobre os brocados fúlgidos da glória, São astros que me tombam do regaço!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Ter Out 27, 2009 10:45 pm | |
| Diz-me, Amor, como Te Sou Querida
Dize-me, amor, como te sou querida, Conta-me a glória do teu sonho eleito, Aninha-me a sorrir junto ao teu peito, Arranca-me dos pântanos da vida.
Embriagada numa estranha lida, Trago nas mãos o coração desfeito, Mostra-me a luz, ensina-me o preceito Que me salve e levante redimida!
Nesta negra cisterna em que me afundo, Sem quimeras, sem crenças, sem turnura, Agonia sem fé dum moribundo,
Grito o teu nome numa sede estranha, Como se fosse, amor, toda a frescura Das cristalinas águas da montanha!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Sex Out 30, 2009 10:27 pm | |
| Frémito do Meu Corpo a Procurar-te
Frémito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel, Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte, Sede de beijos, amargor de fel, Estonteante fome, áspera e cruel, Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto tua alma Junto da minha, uma lagoa calma, A dizer-me, a cantar que não me amas...
E o meu coração que tu não sentes, Vai boiando ao acaso das correntes, Esquife negro sobre um mar de chamas...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Dom Nov 01, 2009 1:35 pm | |
| Sem Palavras
Brancas, suaves mãos de irmã Que são mais doces que as das rainhas, Hão de pousar em tuas mãos, as minhas Numa carícia transcendente e vã.
E a tua boca a divinal manhã Que diz as frases com que me acarinhas, Há de pousar nas dolorosas linhas Da minha boca purpurina e sã.
Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes; Só eles te dirão que tu existes Dentro de mim num riso d’alvorada!
E nunca se amará ninguém melhor; Tu calando de mim o teu amor, Sem que eu nunca do meu te diga nada!...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qua Nov 04, 2009 11:12 pm | |
| À Tua Porta Há um Pinheiro Manso
À tua porta há um pinheiro manso De cabeça pendida, a meditar, Amor! Sou eu, talvez, a contemplar Os doces sete palmos do descanso.
Sou eu que para ti atiro e lanço, Como um grito, meus ramos pelo ar, Sou eu que estendo os braços a chamar Meu sonho que se esvai e não alcanço.
Eu que do sol filtro os ruivos brilhos Sobre as louras cabeças dos teus filhos Quando o meio-dia tomba sobre a serra...
E, à noite, a sua voz dolente e vaga É o soluço da minha alma em chaga: Raiz morta de sede sob a terra!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qui Nov 05, 2009 10:50 pm | |
| Versos
Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Pedaços de sorriso, branca espuma, Gargalhadas de luz, cantos dispersos, Ou pétalas que caem uma a uma...
Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar, Um verso é o teu sorriso e os de Dante Eram o teu amor a soluçar Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!... Sei eu lá também que são... Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração Partido em mil pedaços são talvez...
Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Meus soluços de dor que andam dispersos Por este grande amor em que não crês...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Ter Nov 10, 2009 11:10 pm | |
| Doce Certeza
Por essa vida fora hás-de adorar Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca, Em infinito anseio hás de beijar Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!
Hás de guardar em cofre perfumado Cabelos d´ouro e risos de mulher, Muito beijo d´amor apaixonado; E não te lembrarás de mim sequer...
Hás de tecer uns sonhos delicados... Hão de por muitos olhos magoados, Os teus olhos de luz andar imersos!...
Mas nunca encontrarás p´la vida fora, Amor assim como este amor que chora Neste beijo d´amor que são meus versos!...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qui Nov 12, 2009 12:16 am | |
| Aos Olhos Dele
Não acredito em nada. As minhas crenças Voaram como voa a pomba mansa, Pelo azul do ar. E assim fugiram o As minhas doces crenças de criança.
Fiquei então sem fé; e a toda gente Eu digo sempre, embora magoada: Não acredito em Deus e a Virgem Santa É uma ilusão apenas e mais nada!
Mas avisto os teus olhos, meu amor, Duma luz suavíssima de dor... E grito então ao ver esses dois céus:
Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa Que criou esse brilho que m'encanta! Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Dom Nov 15, 2009 2:38 pm | |
| Mentiras
Tu julgas que eu não sei que tu me mentes Quando o teu doce olhar pousa no meu? Pois julgas que eu não sei o que tu sentes? Qual a imagem que alberga o peito meu?
Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo O bom sonho da feroz realidade... Não palpita d´amor, um coração Que anda vogando em ondas de saudade!
Embora mintas bem, não te acredito; Perpassa nos teus olhos desleais O gelo do teu peito de granito...
Mas finjo-me enganada, meu encanto, Que um engano feliz vale bem mais Que um desengano que nos custa tanto!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Ter Nov 17, 2009 12:09 am | |
| Cegueira Bendita
Ando perdida nestes sonhos verdes De ter nascido e não saber quem sou, Ando ceguinha a tatear paredes E nem ao menos sei quem me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e vago... E a minha alma cega, ao abandono Faz-me lembrar o nenúfar dum lago Estendendo as asas brancas cor do sonho...
Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo E não ver nada nesse mar sem fundo, Poetas meus irmãos, que triste sorte!...
E chamam-nos a nós Iluminados! Pobres cegos sem culpas, sem pecados, A sofrer pelos outros té à morte!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qua Nov 18, 2009 12:06 am | |
| Noite Trágica
O pavor e a angústia andam dançando... Um sino grita endechas de poentes... Na meia-noite d´hoje, soluçando, Que presságios sinistros e dolentes!...
Tenho medo da noite!... Padre nosso Que estais no céu... O que minh´alma teme! Tenho medo da noite!... Que alvoroço Anda nesta alma enquanto o sino geme!
Jesus! Jesus, que noite imensa e triste! A quanta dor a nossa dor resiste Em noite assim que a própria dor parece...
Ó noite imensa, ó noite do Calvário, Leva contigo envolto no sudário Da tua dor a dor que me não ´squece!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Sex Nov 20, 2009 12:33 am | |
| Anseios
Meu doido coração aonde vais, No teu imenso anseio de liberdade? Toma cautela com a realidade; Meu pobre coração olha cais!
Deixa-te estar quietinho! Não amais A doce quietação da soledade? Tuas lindas quimeras irreais Não valem o prazer duma saudade!
Tu chamas ao meu seio, negra prisão!... Ai, vê lá bem, ó doido coração, Não te deslumbre o brilho do luar!
Não estendas tuas asas para o longe... Deixa-te estar quietinho, triste monge, Na paz da tua cela, a soluçar!...
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Sáb Nov 21, 2009 1:46 pm | |
| Teus Olhos
Olhos do meu Amor! Infantes loiros Que trazem os meus presos, endoidados! Neles deixei, um dia, os meus tesoiros: Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros, Meus carros de combate, destroçados, Os meus diamantes, todos os meus oiros Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!
Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas.. Enigmáticas campas medievais... Jardins de Espanha... catedrais eternas...
Berço vinde do céu à minha porta... Ó meu leite de núpcias irreais!... Meu sumptuoso túmulo de morta!...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qui Nov 26, 2009 11:15 pm | |
| Minha Culpa
A Artur Ledesma
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo... um canto de paisagem Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem Dum doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de vaidades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Dom Nov 29, 2009 3:45 pm | |
| A uma Rapariga
À Nice
Abre os olhos e encara a vida! A sina Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes! Por sobre lamaçais alteia pontes Com tuas mãos preciosas de menina.
Nessa estrada da vida que fascina Caminha sempre em frente, além dos montes! Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes! Beija aqueles que a sorte te destina!
Trata por tu a mais longínqua estrela, Escava com as mãos a própria cova E depois, a sorrir, deita-te nela!
Que as mãos da terra façam, com amor, Da graça do teu corpo, esguia e nova, Surgir à luz a haste duma flor!...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Ter Dez 01, 2009 11:23 pm | |
| Minha Terra
Ó minha terra na planície rasa, Branca de sol e cal e de luar, Minha terra que nunca viu o mar Onde tenho o meu pão e a minha casa...
Minha terra de tardes sem uma asa, Sem um bater de folha... a dormitar... Meu anel de rubis a flamejar, Minha terra mourisca a arder em brasa!
Minha terra onde meu irmão nasceu... Aonde a mãe que eu tive e que morreu, Foi moça e loira, amou e foi amada...
Truz... truz... truz... Eu não tenho onde me acoite, Sou um pobre de longe, é quase noite... Terra, quero dormir... dá-me pousada!
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qui Dez 03, 2009 12:14 am | |
| A Minha Piedade
Tenho pena de tudo quanto lida Neste mundo, de tudo quanto sente, Daquele a quem mentiram, de quem mente, Dos que andam pés descalços pela vida,
Da rocha altiva, sobre o monte erguida, Olhando os céus ignotos frente a frente, Dos que não são iguais à outra gente, E dos que se ensangüentam na subida!
Tenho pena de mim... pena de ti... De não beijar o riso duma estrela... Pena dessa má hora em que nasci...
De não ter asas para ir ver o céu... De não ser Esta... a Outra... e mais Aquela... De ter vivido e não ter sido Eu...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Qui Dez 03, 2009 10:38 pm | |
| Árvores do Alentejo
Horas mortas... Curvada aos pés do Monte A planície é um brasido... e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte A oiro a giesta, a arder, pelas estradas, Esfíngicas, recortam desgrenhadas Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram, Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede: - Também ando a gritar, morta de sede, Pedindo a Deus a minha gota de água!
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
| | | Anarca
Mensagens : 13406 Data de inscrição : 02/06/2009
| Assunto: Re: FLORBELA ESPANCA - UMA VIDA DE PAIXÃO Sáb Dez 05, 2009 2:32 pm | |
| Alma a Sangrar
Quem fez ao sapo o leito carmesim De rosas desfolhadas à noitinha? E quem vestiu de monja a andorinha, E perfumou as sombras do jardim?
Quem cinzelou estrelas no jasmim? Quem deu esses cabelos de rainha Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha Alma a sangrar? Quem me criou a mim?
Quem fez os homens e deu vida aos lobos? Santa Teresa em místicos arroubos? Os monstros? E os profetas? E o luar?
Quem nos deu asas para andar de rastros? Quem nos deu olhos para ver os astros - Sem nos dar braços para os alcançar?!...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" | |
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